Vi que, neste instante, uma senhora gorda saiu do portão de sua casa com uma tigela na mão.
Olhou para a família ali perto numa mistura de desdém e asco, e assoviou, para que o cãozinho viesse e fosse presenteado com uma deliciosa tigela com sobras do almoço.
A família, em especial a criança, olhou a tigela como se quisesse ser um vira lata.
Bem provável, pensaram, naquele instante, que era mais digno ser um vira lata, que um homem.
Eis o que acontece: A gorda senhora se condescendeu mais com a fome de um animal, que pode muito bem revirar um lixo qualquer, pois é bicho, do que com a família faminta.
No dia seguinte, com os vizinhos, deve ter se queixado porque tinha uns “vagabundos” em seu portão.
Sequer a criança a comoveu.
Talvez ela tenha visto aquela criança de rua, do mesmo modo que o protagonista de O Outro¹, conto de Rubem Fonseca, via ‘o outro’ da história.
Então, percebi que esse tipo de mentalidade, esse comportamento desumano e repulsivo, é mais amiudado do que parece.
Com que frequência já não vi, nas redes sociais, esta frase: “Quanto mais conheço o homem, mais gosto do meu cachorro” Diversas.
E as pessoas afirmam isso com a maior naturalidade do mundo.
Eis o que quero dizer: Quem afirma gostar mais do bicho, que do homem, está dizendo que, se eventualmente precisasse optar entre alimentar um semelhante, ou um animal, e disso dependesse suas vidas, alimentaria o animal(!!! )