"Pego mais um ovo na cozinha, quebro lhe a casca e forma.
E a partir deste instante exato nunca existiu um ovo.
É absolutamente indispensável que eu seja uma ocupada e uma distraída.
Sou indispensavelmente um dos que renegam.
Faço parte da maçonaria dos que viram uma vez o ovo e o renegam como forma de protegê lo.
Somos os que se abstêm de destruir, e nisso se consomem.
Nós, agentes disfarçados e distribuídos pelas funções menos reveladoras, nós às vezes nos reconhecemos.
A um certo modo de olhar, há um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e a isto chamamos de amor.
E então, não é necessário o disfarce: embora não se fale, também não se mente, embora não se diga a verdade, também não é necessário dissimular.
Amor é quando é concedido participar um pouco mais.
Poucos querem o amor, porque o amor é a grande desilusão de tudo o mais.
E poucos suportam perder todas as outras ilusões.
Há os que voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal.
É o contrário: amor é finalmente a pobreza.
Amor é não ter.
Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor.
E não é prêmio, por isso não envaidece, amor não é prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aqueles que, sem ele, corromperiam o ovo com a dor pessoal.
Isso não faz do amor uma exceção honrosa; ele é exatamente concedido aos maus agentes, àqueles que atrapalhariam tudo se não lhes fosse permitido adivinhar vagamente."