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Elisa Lucinda

Um Bonde Chamado seu Beijo
Quem encobrirá meu sono
Beijará quem minhas costas no cotidiano
Quem, no meio do frio, me cobrirá com lindas orelhas
e me dirá palavras indecentes nos ouvidos
Quem, atrevido, me acordará com o ponteiro em riste
como um pássaro que não quer tudo
apenas o céu, a gaiola, o alpiste
Quem que, quando eu dormisse, por mim zelasse
e eu, quando acordasse, lhe fizesse iogurtes brejeiros
massagens nos pés, cumplicidades de enlace
Quem me agarrará por trás quando eu sair cheirosa do banho
e terá orgulho de eu ser guerreira e perfumada ao mesmo tempo
Quem em bom senso dirá que muito me assanho
quem orientará a guerrilha diária a que me proponho
quem será inteligente e gostoso a meu lado como está no meu sonho
Quem, a quem me disponho a cozinhar e fazer versos
quem racional e perverso cochichará nos tímpanos da minha alma
a doce ordem, a venal palavra: Calma
Quem com sua alma me mostrará um mar vertical
Quem, meu igual, me apontará andores reais, sem excesso de glacê no bolo
Com determinação de touro e a nobreza de poder ser banal
Quem, coisa e tal, me beijará a boca e me enfiará as mãos
por debaixo da barra do segredo do vestido
e um dia passeará comigo no segredo contido na Barra do Jucu
Quem, senão tu que eu elejo, eu planejo, pode habitar o lugar
a suíte que há tanto tenho reservado
Quem, encomendado, pode me manter na confiança dos edredons
enquanto não chega
Quem, com certeza, me visitará num outubourbon no gume da lira
de eu ser égua, cadela, mulher e sua
Quem sobre mim sua, pinga, chove
Quem que com lucidez resolve o abismo simples de prever o risco de sonhar
pra nele mesmo cair, rir
e se embolar
Quem me dará a idéia de conceber a saudade no sentido tático
quem, não estático, de longe me fará cometer poemas de meia noite
Quem, sem favor, me estende o braço com rosas na mão
com explicação pro meu calor
Quem, senão meu doido bondinho
meus olhos acesinhos, meu comedor
Meu triz, meu risco
meu cristo redentor

SÓ DE SACANAGEM
Meu coração está aos pulos!
Quantas vezes minha esperança será posta à prova
Por quantas provas terá ela que passar Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.
Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova
Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais
É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do coleguinha", "Esse apontador não é seu, minha filha".
Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar.
Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará.
Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar.
Só de sacanagem! Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba" e vou dizer: "Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez.
Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês.
Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau."
Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal".
Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal.
Eu repito, ouviram Imortal! Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!