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Trair a Confiança

Eu queria poder te falar sobre o meu dia.
Chegar em casa e correr pra os teus braços, me sentir protegida.
Queria poder te falar sobre como o dia de hoje foi cansativo, daquela prova de matemática horrível que eu tenho quase certeza de que zerei.
Queria poder te dizer que pensei em você o dia todo, em estar aqui, nos teus braços.
Queria te olhar nos olhos e falar "eu não poderia ter mais sorte" Você devia ser aquela parte do meu dia que serve pra me fazer esquecer das desgraças do mundo, devia me fazer esquecer tudo, menos você.
Queria sentir tua boca na minha, sua pele queimando de desejo Queria te chamar pra mim e te conduzir à sentir o mesmo vislumbre que eu.
Poderia fazer mil textos como esse.
Poderia tentar te explicar o que eu sinto com você, e como é só com você Eu poderia Mas não vou.
Não vou porque não te tenho comigo.
Não vou, porque te sinto distante, porque falar com você é como gritar no vazio.
É frio, abandonado e sem cor.
Não vou, porque eu nem sei mais como ir, acho que a um certo tempo desaprendi o caminho até você.
Minha vida te leva para longe, suas escolhas acentuam a distância, cada vez mais longe
É impossível não pensar em como tudo aconteceu, em como parecia planejado As coisas nos afastam, a vida, as pessoas.
Acho que antes de tudo, somos responsáveis por deixar.
E nós deixamos, como se não fosse nada demais.
Uma briga aqui, e eu esqueço de te contar uma coisa tão importante Outra briga, a gente não se fala por mais um dia Brigamos de novo, acho que te falar sobre o que acontece comigo não é tão importante E assim perdemos momentos.
Nos perdemos no meio do caminho, por causa dos outros.
Perfeição é algo que nunca me definiu, você sabe bem, bem melhor que qualquer outra pessoa.
Mas queria que você entendesse que dói, que causa insegurança, que machuca e faz mal.
Tão mal quanto eu nunca desejaria fazer você sentir.
Queria que você fosse meu.
Queria poder cuidar de você.
Te causar segurança como você me causa, te amar como você diz que me ama.
Mas eu não sei se consigo.
Tô terminando esse texto com os olhos cheios de lágrimas.
Espero que você tente entender o quanto isso é difícil.
Lutei tanto pra não dizer que te amo, e agora me vejo obrigada a dizer isso.
Não é sofrer por antecipação, é ter a certeza do que vai acontecer, é ter a sensação e ver se concretizar.
Já aconteceu outras vezes.
Outras tantas vezes E você me prometeu que eu não teria que me preocupar com isso.
No fundo, você não é bom com promessas, e eu não sou boa em amar, não sou boa em dividir, nem quero ser.
Preciso de uma garantia de que acabou, porque se não, você sabe, a gente vai se acabar.

Chegou em casa, abriu as portas, as persianas, as janelas.
Caminhou por entre os móveis, preenchendo os espaços vazios.
Os passos pesavam, seu corpo não conseguia carregar o próprio peso, os pés, frágeis, se retorceriam se pudessem, o cansaço era visível.
Foi até o banheiro, olhou se e naquele espelho manchado, viu um reflexo que não era seu.
Algo inumano.
Procurou vestígios de felicidade, nenhum.
Amor Nenhum! Dor Muita! Solidão Mais ainda! Subiu as escadas, restejaria se possível fosse, não era.
Eram 3:00 da manhã.
Havia um fulgor desconhecido naquela noite, algo especial ou diferente.
O referente era um inimigo em potencial.
A noite foi feita para os loucos, aos que amam intensamente.
Era seu caso, amava tanto e esquecia de se amar.
Amava a madrugada, o cheiro do conhaque e as taças de vinho manchadas de batom vermelho.
Amava ouvir jazz no tom mais suave possível.
Amava o azul, naquele tom quase preto.
Amava a lua e suas metamorfoses.
Amava a vida, odiava viver.
Olhou sua história por um lado, por outro, por perspectivas mistas e opostas.
As vertentes que se cruzavam no emaranhado de problemas em que tinha se metido.
O amor não correspondido, a traição explícita.
A falta de amigos, a solidão
Como dizer a alguém que possivelmente ela possui depressão Não é uma tarefa fácil, ao menos não deveria ser.
Costumo dizer que quando toma se um papel como esses, o autocontrole é fundamental.
Não queria eu, dizer para aquela doce menina que o que ela via nas manchas de vinho era o seu sangue escorrendo pelas manhãs da camisa.
Que absolutamente todos os seus amigos, eram fruto de sua imaginação, porque ela era estranha demais para se adequar socialmente a qualquer parâmetro significativo existente.
O que é a vida, senão um misto de cores borradas, palavras engolidas e borboletas no estômago, regurgitadas O problema começa partindo do fato de que, cores misturadas se tornam preto, e quanto mais pigmento, mais escura a cor.
Até seu sangue escureceria, quem dirá, aquela dor E a ferida só aumentara
Ela sentou à beira da janela.
As grades de proteção ficaram para trás, afinal, o que ofereceria mais proteção que o próprio perigo Quando se expõe a ele, nada mais se deve temer, não há do que se proteger.
E ela cantava, entre lágrimas e sorrisos, traçava uma tênue linha entre o real e o imaginário.
O vestido branco manchado nas mangas com o vinho Voava conforme a dança tecida pelo vento noturno.
Ela estava em pé, alternando os pés pela beirada da sacada.
Um após o outro.
Vamos contar comigo 1, 2, 3 Os pés se chocavam e ela olhava para baixo.
Não tinha medo do escuro, tinha medo da solidão, e até isso já enfrentara.
Não tinha ninguém, não tinha nada.
A lua gritava no céu, e no chão, refletida nos tetos dos carros.
Nada mais fascinante que a lua Ao final daquela noite, ela se viu leve como um pássaro.
Queria voar, ascender aos céus, e pulou.
Voou.
Encontrou a lua, abraçou a por toda a eternidade.
A solidão acabou, o medo cessou, ela e a lua, deram adeus à vaidade.