Frases.Tube

Textos de Menina Mulher

Uma mulher entre parênteses
Tinha algo a dizer, mas jamais aos gritos, jamais com ênfase, jamais invocando uma reação
Era como ela catalogava as pessoas: através dos sinais de pontuação.
Irritava se com as amigas que terminavam as frases com reticências Eram mulheres que nunca definiam suas opiniões, que davam a entender que poderiam mudar de ideia dali a dois segundos e que abusavam da melancolia.
Por outro lado, tampouco se sentia à vontade com as mulheres em estado constante de exclamação.
Extra, extra! Tudo nelas causava impacto! Consideravam se mais importantes do que as outras! Ela, não.
Ela era mais discreta.
A mais discreta de todas.
Também não era do tipo mulher dois pontos: aquela que está sempre prestes a dizer uma verdade inquestionável, que merece destaque.
Também não era daquelas perguntadeiras xaropes que não acreditam no que ouvem, não acreditam no que veem e estão sempre querendo conferir se os outros possuem as mesmas dúvidas: será, será, será Ela possuía suas interrogações, claro, mas não as expunha.
Era uma mulher entre parênteses.
Fazia parte do universo, mas vivia isolada em seus próprios pensamentos e emoções.
Era como se ela fosse um sussurro, um segredo.
Como uma amante que não pode ser exibida à luz do dia.
Às vezes, sentia um certo incômodo com a situação, parecia que estava sendo discriminada, que não deveria interagir com o restante das pessoas por possuir algum vírus contagioso.
Outras vezes, avaliava sua situação com olhos mais românticos e concluía que tudo não passava de proteção.
Ela era tão especial que seria uma temeridade misturar se com mulheres óbvias e transparentes em excesso.
A mulher entre parênteses tinha algo a dizer, mas jamais aos gritos, jamais com ênfase, jamais invocando uma reação.
Ela havia sido adestrada para falar para dentro, apenas consigo mesma.
Tudo muito elegante.
Aos poucos, no entanto, ela passou a perceber que viver entre parênteses começava a sufocá la.
Ela mantinha suas verdades (e suas fantasias) numa redoma, e isso a livrava de uma existência vulgar, mas que graça tinha
Resolveu um dia comentar sobre o assunto com o marido, que achou muito estranho ela reivindicar mais liberdade de expressão.
Ora, manter se entre parênteses era um charmoso confinamento.
“Minha linda, você é uma mulher que guarda a sua alma.”
Um dia ela acordou e descobriu que não queria mais guardar a sua alma.
Não queria mais ser um esclarecimento oculto.
Ela queria fazer parte da confusão.
“Mas, minha linda ” E não quis mais, também, aquele homem entre aspas.

Faz de conta
Sentou se para descansar e em breve fazia de conta que ela era uma mulher azul, porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o faz de conta verde cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava deitada na palma transparente da mão de Deus, não Lóri mas o seu nome secreto que ela por enquanto ainda não podia usufruir, faz de conta que vivia e não que estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da
morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que ela era sábia bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que se descontraía o peito e uma luz douradíssima e leve a guiava por uma floresta de açudes mudos e de tranqüilas mortalidades, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando por dentro pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado; ela saíra agora da voracidade de viver.
Lembrou se de escrever a Ulisses contando o que se passara, mas nada se passara dizível em palavras escritas ou faladas, era bom aquele sistema que Ulisses inventara: o que não soubesse ou não pudesse dizer, escreveria e lhe daria o papel mudamente mas dessa vez não havia sequer o que contar.