Frases.Tube

Textos de Luis Fernando Verissimo

Lerdeza
A frase que o Everton mais ouvia da mãe era "levanta e vai buscar", geralmente seguida de um epíteto, como "seu preguiçoso" ou, pior, "lerdeza".
Porque o que o Everton mais fazia, atirado no sofá na frente da TV na sua posição de costume (que a mãe chamava de "estrapaxado"), era pedir para lhe trazerem coisas.
Uma Coca.
Uns salgadinhos
Levanta e vai buscar!
Pô, mãe.
Lerdeza!
O Everton já estava com quinze anos e era uma luta convencê lo a sair do sofá e ir fazer o que os garotos de quinze anos fazem.
Correr.
Jogar bola.
Namorar.
Ou pelo menos ir buscar sua própria Coca.
Esse menino um dia ainda vai se fundir com o sofá
Everton não queria outra coisa.
Ser um homem sofá.
Um estofado humano, alimentado sem precisar sair do lugar.
E sem tirar os olhos da TV.
E como era filho único, e insistente, sempre conseguia que lhe trouxessem o que pedia.
Quando não era a mãe, sob protestos ("Toma, lerdeza, mas é a última vez") era Marineide, a empregada de vinte e poucos anos cujo decote era a única coisa que fazia o Everton desviar os olhos da TV, e assim mesmo por poucos segundos.
***
Um dia, estrapaxado no sofá, o Everton se deu conta de que estava sozinho em casa.
A mãe tinha saído, o pai estava no trabalho, a Marineide de folga, e ele sem ninguém para lhe trazer uma Coca, uns chips de batata e uns Bis.
Levantar se e ir buscar estava fora de questão.
Fechou os olhos e concentrou se.
Concentrou se com força.
Depois de alguns minutos, ouviu ruídos vindo da cozinha.
A geladeira abrindo e fechando.
Uma porta de armário abrindo e fechando.
Depois silêncio.
Quando abriu os olhos, a Coca, os chips e os Bis pairavam no ar, à sua frente.
Ele só precisou estender a mão.
No dia seguinte, Everton testou seu poder recém descoberto na Marineide, que até hoje não sabe como a sua blusa desabotoou sozinha e seu soutien simplesmente voou longe daquele jeito, e logo na frente do menino.
Everton também acendeu a TV e mudou de canais sem precisar usar o controle remoto, e fez um vaso voar pela sala só com a força do seu pensamento.
Apagou a TV e ficou, atirado no sofá, refletindo sobre o que significava aquilo.
Ele era um fenômeno.
Tinha um poder único fazia as coisas acontecerem apenas pela sua vontade.
Contaria aos pais, claro.
Eles poderiam ganhar dinheiro com seu poder.
O pai saberia como.
Ele se transformaria numa celebridade.
Cientistas do mundo inteiro o procurariam, sua capacidade extraordinária seria usada em benefício da humanidade.
No combate ao crime, por exemplo.
Nas comunicações.
Na medicina a distância.
***
E se aquilo fosse, de alguma forma, um poder religioso Até onde a revelação do seu dom milagroso seria um sinal de que ele tinha uma missão a cumprir na Terra Até onde aquilo o levaria Fosse o que fosse, uma coisa era certa.
Ele teria que sair do sofá.
***
Mãe.
Ahn
Eu quero daquelas coisinhas de queijo.
E uma Coca.
Levanta e vai buscar.
Pô, mãe.
Tá bem.
Mas esta é a última vez.
E já a caminho da cozinha:
Lerdeza!

E POR FALAR EM LADRÃO DE GALINHAS
Pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e levaram para a delegacia.
Que vida mansa, heim, vagabundo Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar.
Vai para cadeia!
Não era para mim não.
Era para vender.
Pior.
Venda de artigo roubado.
Concorrência desleal com o comércio estabelecido.
Sem vergonha!
Mas eu vendia mais caro.
Mais caro
Espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas não.
E que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons.
Mas eram as mesmas galinhas, safado.
Os ovos das minhas eu pintava.
Que grande pilantra
Mas já havia um certo respeito no tom do delegado.
Ainda bem que tu vai preso.
Se o dono do galinheiro te pega
Já me pegou.
Fiz um acerto com ele.
Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus.
Convidamos outros donos de galinheiro a entrar no nosso esquema.
Formamos um oligopólio.
Ou, no caso, um ovigopólio.
E o que você faz com o lucro do seu negócio
Especulo com dólar.
Invisto alguma coisa no tráfico de drogas.
Comprei alguns deputados.
Dois ou três ministros.
Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e superfaturo os preços.
O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira estava confortável, se ele não queria uma almofada.
Depois perguntou:
Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está
milionário
Trilionário.
Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior.
E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas
Às vezes.
Sabe como é.
Não sei não, excelência.
Me explique.
É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa.
Do risco, entende Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do castigo.
Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante.
Como agora.
Fui preso, finalmente.
Vou para a cadeia.
É uma experiência nova.
O que e isso, excelência O senhor não vai ser preso não.
Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro!
Sim.
Mas primário, e com esses antecedentes

Caras Novas
O Rio é a capital mundial da operação plástica.
Não param de chegar estrangeiros para ver, não o pão de açúcar;mas, o Pitangui.
Quem não consegue reserva com o Pitangui recorre a outros restauradores brasileiros, com menos nome mas igualmente competentes (é o que dizem, eu não sei.
Na única vez que eu consultei um cirurgião plástico ele foi radical: sugeriu outra cabeça.
E aquela história do cara que era tão feio que foi desenganado pelo cirugia plástico ).
Os responsaveis pelo turismo no Rio podiam montar um balcão no aeroporto reserva de cirurgião para receber os visitantes que chegam tapando o rosto e pedindo informações.
Que tipo de operação o senhor deseja
Papada.
Quero um bom homem de papada.
O cirurgião plastico, injustamente chamado de gigolô da vaidade, desempenha uma função social muito importante.
Os eventuais exageros não são culpa sua.
São os clientes que insistem.
Minha senhora, é impossivel esticar a sua pele ainda mais.
Já lhe operei 17 vezes.
não tenho mais o que puxar.
Desta vez só quero que você tire esta covinha do queixo.
Isso não é covinha.
É o seu umbigo.
Antigamente a cirugia plastica era um recurso extremo.
Querida, que bobagem, operar o nariz.
Eu gosto do seu nariz assim como está.
Casei com seu nariz quenado casei com você.
Acontece que eu não aguento mais o meu nariz.
Não posso viver com ele mais nenhum minuto.
Não quero mais ver esse nariz na minha frente.
Mas uma operação plástica
Você tem que escolher, eu ele ou eu.
Hoje só falta das nas colunas sociais:
"Gigi Gavrache reuniu um grupo de amigos para a inauguração do seu novo queixo o terceiro em dois anos que recebei muitos elogios.
"Voluntarioso", "sensivel", "um classico", foram alguns comentarios ouvidos durante a noite.
"Não posso me queixar " disse Gigi, com sua conhecida verve."
"Muito ocmentado o encontro casual de Dora Avante e Scaninha Vabis na pérgola do copa, sábado pela manhã.
As duas estavam com o mesmo nariz.
Domage "
Imagino que no mundo da cirurgia plastica que é uma forma de escultura com anestesia devem exstir algumas mesmas instituições do mundo das artes, que também são plásticas.
Como a fofoca.
O que vc esta achando da nova fase dele
Muita influencia estrangeira.
Só da perfil romano.
Achei o queixo da Gigi bem solucionado.
Mas, nada original.
Eu estava fazendo queixos assim há cem anos.
O romantismo está ultrapassado.
Ele não evoluiu.
Por sinal, não deixe de ir ao meu vernissage.
Vernissage
Vou expor alguns traseiros.
meu trabalho mais recente.
Mas tem um problema que me preocupa.
Digamos que a americana rica se operou com o Pitangui.
Esta contentissima com o resultado e prepara se para embarcar no aviao de volta a Dallas.
Ela tem que passar pelas autoridades no aeroporto.
Seu passaporte, senhorita
Senhorita não, senhora.
Perdão.
Obrigada.
MAs este passaporte não é seu.
Como que não Ai esta meu nome.
Gertrude sou eu.
Mas a fotografia é do Ronald Reagam.
Ridiculo.
Está aqui.
O Ronald Reageam de peruca.
Essa sou eu.
Impossivel senhorita.
Vamos ter que confiscar este passaporte.
Providencie outro com a sua fotografia.

Ser um tímido notório é uma contradição.
O tímido tem horror a ser notado, quanto mais a ser notório.
Se ficou notório por ser tímido, então tem que se explicar.
Afinal, que retumbante timidez é essa, que atrai tanta atenção Se ficou notório apesar de ser tímido, talvez estivesse se enganando junto com os outros e sua timidez seja apenas um estratagema para ser notado.
Tão secreto que nem ele sabe.
É como no paradoxo psicanalítico, só alguém que se acha muito superior procura o analista para tratar um complexo de inferioridade, porque só ele acha que se sentir inferior é doença.
Todo mundo é tímido, os que parecem mais tímidos são apenas os mais salientes.
Defendo a tese de que ninguém é mais tímido do que o extrovertido.
O extrovertido faz questão de chamar atenção para sua extroversão, assim ninguém descobre sua timidez.
Já no notoriamente tímido a timidez que usa para disfarçar sua extroversão tem o tamanho de um carro alegórico.
Daqueles que sempre que bram na concentração.
Segundo minha tese, dentro de cada Elke Maravilha existe um tímido tentando se esconder e dentro de cada tímido existe um exibido gritando "Não me olhem! Não me olhem! " só para chamar a atenção.
O tímido nunca tem a menor dúvida de que, quando entra numa sala, todas as atenções se voltam para ele e para sua timidez espetacular.
Se cochicham, é sobre ele.
Se riem, é dele.
Mentalmente, o tímido nunca entra num lugar.
Explode no lugar, mesmo que chegue com a maciez estudada de uma noviça.
Para o tímido, não apenas todo mundo mas o próprio destino não pensa em outra coisa a não ser nele e no que pode fazer para embaraçá lo.
O tímido vive acossado pela catástrofe possível.
Vai tropeçar e cair e levar junto a anfitriã.
Vai ser acusado do que não fez, vai descobrir que estava com a braguilha aberta o tempo todo.
E tem certeza de que cedo ou tarde vai acontecer o que o tímido mais teme, o que tira o seu sono e apavora os seus dias: alguém vai lhe passar a palavra.

A bola nova
Essa bola amarela, não sei não.
Antigamente as bolas de futebol tinham a cor do couro com que eram feitas.
Pintadas de branco, só em jogo noturno.
Lembro do meu espanto ao saber que, em cada jogo oficial de campeonato usavam uma bola nova, o que me levava a sonhar com montes de bolas usadas uma vez só, estocadas em algum lugar.
Uma visão do paraíso.
E era uma bola por partida, substituída, com autorização do juiz, apenas em caso de perda de esfericidade, o nome científico de murchamento.
Isto significava que quando a bola espirrava para fora do campo, era devolvida pelo público para que o jogo pudesse continuar.
A bola era devolvida pelo público! Talvez nada na nossa história recente tenha a importância simbólica deste fato: no tempo da Número 5 cor de couro a torcida devolvia a bola.
Se a bola demorasse a voltar para o campo havia manifestações de impaciência e quem a retivesse só por farra, ninguém era ladrão era hostilizado pelos outros torcedores.
Não se sabe se a torcida passou a ficar com a bola quando começaram a usar várias por partida ou se foi algo na nossa alma que mudou.
Há quem atribua a uma reversão dos pólos magnéticos da Terra lá pelos anos 40 e 50 a deterioração do caráter do brasileiro.
Não sei.
Seja como for, uma das suas primeiras manifestações foi não devolverem mais a bola.
Ela era branca só em jogo noturno porque ajudava a visibilidade, até se darem conta de que o branco também favoreceria a visibilidade de dia, pois seu contraste com o verde do gramado era maior do que o do marrom.
Agora houve um retrocesso.
A cor da nova bola não é marrom, é amarelo cocô de criança.
Os goleiros estão se queixando de que ela é mais difícil de pegar, mas talvez estejam só com nojo.
O contraste com o verde decididamente piorou.
Não demora aparecer uma teoria conspiratória alegando que a troca foi para atrapalhar o Brasil na Copa deste ano.
Um reconhecimento de que o Brasil era imbatível com a bola antiga, o campeão definitivo da bola branca.
Como todos estranharão a bola nova da mesma maneira, estaria começando outra era com tudo reequilibrado, e com chance até para Trinidad Tobago.
Além da bola, o Brasil precisará se preocupar com a soberba.
O clima nacional está um pouco como o de 82, lembra Aquele time que foi para a Copa da Espanha, com Falcão, Cerezo, Sócrates, Zico, Eder, também não podia perder para ninguém, com qualquer bola.
Nos anais da Fifa não consta, mas quem ganhou aquela Copa foi a Soberba.
Vai ser nosso principal inimigo na Alemanha.

Certas palavras tem o significado errado.
Falácia, por exemplo, devia ser o nome de alguma coisa vagamente vegetal.
As pessoas deveriam criar falácias com todas as suas variedades.
A Falácia Amazônica.
A misteriosa Falácia Negra.
Hermeneuta deveria ser o membro de uma seita de andarilhos herméticos.
Onde eles chegassem, tudo se complicaria.
Os hermeneutas estão chegando!
Ih, agora que ninguém vai entender mais nada
Os hermeneutas ocupariam a cidade e paralisariam todas as atividades produtivas com seus enigmas e frases ambíguas.
Ao se retirarem deixariam a população prostrada pela confusão.
Levaria semanas até que as coisas recuperassem o seu sentido óbvio.
Antes disso, tudo pareceria ter um sentido oculto.
Alo
O que é que você quer dizer com isso
Traquinagem deveria ser uma peça mecânica.
Vamos ter que trocar a traquinagem.
E o vetor está gasto.
Plúmbeo deveria ser barulho que um corpo faz ao cair na água.
Mas, nenhuma palavra me fascinava tanto quanto defenestração.
A princípio foi o fascínio da ignorância.
Eu não sabia o seu significado, nunca me lembrava de procurar no dicionário e imaginava coisas.
Defenestrar deveria ser um ato exótico praticado por poucas pessoas.
Tinha até um certo tom lúbrico.
Galanteadores de calçada deveriam sussurrar ao ouvido de mulheres:
Defenestras
A resposta seria um tapa na cara.
Mas, algumas Ah, algumas defenestravam.
Também podia ser algo contra pragas e insetos.
As pessoas talvez mandassem defenestrar a casa.
Haveria, assim, defenestradores profissionais.
Ou quem sabe seria uma daquelas misteriosas palavras que encerram os documentos formais “Nesses termos, pede defenestração..” Era uma palavra cheia de implicações.
Devo até tê la usado uma ou outra vez, como em
Aquele é um defenestrado.
Dando a entender que era uma pessoa, assim, como dizer Defenestrada.
Mesmo errada era a palavra exata.
Um dia, finalmente, procurei no dicionário.
E aí está o Aurelião que não me deixa mentir.
“Defenestração” vem do francês “Defenestration”.
Substantivo feminino.
Ato de atirar alguém ou algo pela janela.
Ato de atirar alguém ou algo pela janela!
Acabou a minha ignorância, mas não minha fascinação.
Um ato como esse só tem nome próprio e lugar nos dicionários por alguma razão muito forte.
Afinal, não existe, que eu saiba, nenhuma palavra para o ato de atirar alguém ou algo pela porta, ou escada a baixo.
Por que então, defenestração
Talvez fosse um hábito francês que caiu em desuso.
Como o rapé.
Um vício como o tabagismo ou as drogas, suprimido a tempo.
Lês defenestrations.
Devem ser proibidas.
Sim, monsieur le Ministre.
São um escândalo nacional.
Ainda mais agora, com os novos prédios.
Sim, monsieur lê Mnistre.
Com prédios de três, quatro andares, ainda era possível.
Até divertido.
Mas, daí para cima vira crime.
Todas as janelas do quarto andar para cima devem ter um cartaz: “Interdit de defenestrer”.
Os transgressores serão multados.
Os reincidentes serão presos.
Na Bastilha, o Marquês de Sade deve ter convivido com notórios defenestreurs.
E a compulsão, mesmo suprimida, talvez ainda persista no homem, como persiste na sua linguagem.
O mundo pode estar cheio de defenestradores latentes.
É essa estranha vontade de jogar alguém ou algo pela janela, doutor
Humm, O Impulsus defenestrex de que nos fala Freud.
Algo a ver com a mãe.
Nada com o que se preocupar – diz o analista, afastando se da janela.
Quem entre nós nunca sentiu a compulsão de atirar alguém ou algo pela janela A basculante foi inventada para desencorajar a defenestração.
Toda a arquitetura moderna, com suas paredes externas de vidro reforçado e sem aberturas, pode ser uma reação inconsciente a esta volúpia humana, nunca totalmente dominada.
Na lua de mel, numa suíte matrimonial no 17º andar.
Querida
Mmmm
Há uma coisa que preciso lhe dizer
Fala amor.
Sou um defenestrador.
E a noiva, na inocência, caminha para a cama:
Estou pronta pra experimentar tudo com você.
Tudo!
Uma multidão cerca o homem que acaba de cair na calçada.
Entre gemidos, ele aponta para cima e balbucia:
Fui defenestrado
Alguém comenta:
Coitado.
E depois ainda atiraram ele pela janela.
Agora mesmo me deu uma estranha compulsão de arrancar o papel da máquina, amassa lo e defenestrar essa crônica.
Se ela sair é porque resisti.

ESPÍRITOS OPOSTOS
Não houve muita política na última entrega dos Oscars.
Uma piada do Billy Cristal aludia aos privilégios que Bush teve durante o seu serviço militar e o diretor do documentário premiado sobre Robert MacNamara e o envolvimento americano no Vietnã disse temer que o país estivesse entrando em outro buraco parecido, no Iraque.
No ano passado as críticas a Bush e à guerra foram aplaudidas e vaiadas.
Este ano não houve vaias.
A guerra do Iraque pode ser menos discutida, nas próximas eleições americanas, do que uma outra questão quente: casamento entre gays, sim ou não É uma discussão engraçada, porque as posições de lado a lado tendem a ser invertidas, sem trocadilho.
Os gays, no caso, são mais conservadores do que seus críticos, pois lutam para preservar e prestigiar uma instituição que parecia estar agonizando, vítima da nova moral sexual.
Em muitos casos o que os parceiros buscam é uma formalização legal da união para fins de sucessão etc., mas na maioria dos casos imagino o que querem é uma sagração matrimonial como a dos seus pais, com toda a sua carga de tradição e emoção.
Véu, grinalda e gravatas prateadas opcionais.
As objeções religiosas a casamentos entre pessoas do mesmo sexo também são paradoxais.
Em toda ligação homossexual ou homoerótica, porque o mundo está cheio de ligações homossexuais que não sabem que são existe um componente “feminino” e um componente “masculino”, mesmo que imprecisamente definidos por características de personalidade e comportamento.
E na medida que personalidade e comportamento expressam o “espírito” de alguém, para usar outro termo indefinível, todas as uniões sexuais são entre “homem” e “mulher”, mesmo quando os corpos são do mesmo gênero.
O espírito é a pessoa, segundo o ensinamento religioso, não o seu corpo transitório.
Mas nenhuma religião quer saber de espíritos de sexos opostos se amando e fazendo arranjos domésticos “normais”.
Sua crítica parece materialista e contraditória.
Mas como não sou nem gay nem religioso, longe de mim esse cálice de confusão.
O mais curioso de tudo é a nova avidez das pessoas por parâmetros formais e cerimônia.
Ouço dizer que foi por insistência dos alunos que as solenidades de formatura que, misericordiosamente, se encaminhavam para uma depuração sensata e para a brevidade, voltaram a ser como eram antes, pesados e palavrosos rituais de passagem com beca e tudo.
Agora, quando o casamento parecia a caminho de se tornar obsoleto, substituído pela coabitação sem nenhum significado maior, chegam os gays para acabar com essa pouca vergonha.

Uma donzela estava um dia sentada à beira de um riacho deixando a água do riacho passar por entre os seus dedos muito brancos, quando sentiu seu anel de diamante ser levado pelas águas.
Temendo o castigo do pai, a donzela contou em casa que fora assaltada por um homem no bosque e que ele arrancara o anel de diamante do seu dedo e a deixara desfalecida sobre um canteiro de margarida.
O pai e os irmãos da donzela foram atrás do assaltante e encontraram um homem dormindo no bosque, e o mataram, mas não encontraram o anel de diamante.
E a donzela disse:
Agora me lembro, não era um homem, erram dois.
E o pai e os irmãos da donzela saíram atrás do segundo homem e o encontraram, e o mataram, mas ele também não tinha o anel.
E a donzela disse:
Então está com o terceiro!
Pois se lembrara que havia um terceiro assaltante.
E o pai e os irmãos da donzela saíram no encalço do terceiro assaltante, e o encontraram no bosque.
Mas não o mataram, pois estavam fartos de sangue.
E trouxeram o homem para a aldeia, e o revistaram e encontraram no seu bolso o anel de diamante da donzela, para espanto dela.
Foi ele que assaltou a donzela, e arrrancou o anel de seu dedo e a deixou desfalecida gritaram os aldeões.
Matem no!
Esperem! gritou o homem, no momento em que passavam a corda da forca pelo seu pescoço.
Eu não roubei o anel.
Foi ela que me deu!
E apontou para a donzela, diante do escândalo de todos.
O homem contou que estava sentado à beira do riacho, pescando, quando a donzela se aproximou dele e pediu um beijo.
Ele deu o beijo.
Depois a donzela tirara a roupa e pedira e pedira que ele a possuísse, pois queria saber o que era o amor.
Mas como era um homem honrado, ele resistira, e dissera que a donzela devia ter paciência, pois conheceria o amor do marido no seu leito de núpcias.
Então a donzela lhe oferecera o anel, dizendo "Já que meus encantos não o seduzem, este anel comprará o seu amor".
E ele sucumbira, pois era pobre, e a necessidade é o algoz da honra.
Todos se viraram contra a donzela e gritaram: "Rameira! Impura! Diaba! " e exigiram seu sacrifício.
E o próprio pai da donzela passou a forca para o seu pescoço.
Antes de morrer, a donzela disse para o pescado:
A sua mentira era maior que a minha.
E Eles mataram pela minha mentira e vão matar pela sua.
Onde está, afinal, a verdade
O pescador deu de ombros e disse:
A verdade é que eu achei o anel na barriga de um peixe.
Mas quem a acreditaria nisso O pessoal quer violência e sexo, não histórias de pescador.