VALENTINA
Esses milênios todos que vivi tentando corrigir imperfeições, foram tempos preciosos que perdi; só fiz por merecer mais provações.
Encarnei rico e vi na caridade o meio de exibir a minha riqueza.
Depois, vim pobre, e por sagacidade, tirei um bom proveito da pobreza.
Alma fechada, oposta à evolução, visando a carne, indiferente à morte, jamais cuidei da minha salvação.
O hedonismo sempre foi meu norte.
Fui cego, surdo, mudo e mutilado.
Também já vim com a forma de Narciso; matei por vício, e após fui trucidado.
Sofrendo o talião tão justo e preciso porém nesses milênios que passei atravessando a terra ou atravessando espaços uma coisa eu conservei, qual chama viva a iluminar meus passos.
Começou nesta encarnação, quando Valentina nasceu, enfim.
E pelo tempo afora desde então, não sei se vivo nela ou ela em mim.
Essa paixão que a cada dia aumenta, de beijos e carinhos se alimenta na terra e ficará pelo espaço eternamente.
Ela fez tornar me ao Carma indiferente, transformou o averno em mundo de magia, e a Terra triste em Éden de alegria.
Por isso, morrerei, quando for a hora, sabe lá o dia, com alegria; mas mal conterei em frente à Deus a minha rebeldia, que tão logo na família dela quero reencarnar.
Ao que presumo, a aprovação, com base no livre arbítrio, consiste apenas em me acompanhar.
E temo que ao findar aqui a minha missão, pelo umbral eu fique um tempo a gravitar.
E se por lá ficar, ao ver me órfão deste amor bendito, sentir me ei, então como um proscrito, sem luz, sem guia, e longe da verdade.
Mas hoje, com dias e horários marcados para buscá la já fico aflito, enlouquecido, ébrio de amor, carpindo no infinito o Carma doloroso da saudade