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Saudades de quem Mora Longe

Meu coração anda longe, voando, em algum lugar bem distante.
Um lugar onde ninguém o vê, ninguém o escuta ou o sente.
Ele foi sem dizer nada.
Simplesmente estava lá e de um minuto a outro não estava mais.
Não tivemos nenhum tipo de desentendimento antes de acontecer isso, foi só um silêncio enorme, que dizia mais que qualquer palavra.
E eu entendo que ele já não suportava mais nada.
Tínhamos uma sintonia incrível, eu achava que ele era parte de mim, mas agora que ele se foi, tenho a certeza que ele era eu por completo.
Sempre me disse que eu não era desse mundo, e que eu podia muito mais se eu quisesse.
Eu não o ouvi e não me deixei levar por ele.
Tantas e tantas vezes sentia que aquilo não era certo, que eu ia acabar me magoando muito e o machucando.
Mas eu fechava meus olhos e me entregava.
E quando tudo passava, e a dor vinha com mágoas e sofrimento, ele ainda estava lá, comigo, não me abandonou.
Ultimamente vinha dizendo que eu precisava abrir os olhos, não me deixar levar, não me deixar enganar, mas como sempre, eu não o escutava.
Várias são as vezes em que ele me disse que por mais que eu errasse ele ainda estaria ali, porém, que se cansaria um dia.
Eu, muito teimosa, o testei até ele não agüentar mais.
Antes do silêncio nos invadir, ele me lembrou da promessa que tinha me feito, de sempre estar comigo, e de nunca me deixar, mas, balançando a cabeça confirmou o que eu temia tanto, pra sempre e nunca são palavras que não existem e não se devem fazer promessas com elas, sendo que não serão cumpridas.
O silêncio tomou conta da gente.
E, depois disso, aconteceu.
Agora ele está fora de mim, perdido por aí, e eu já nem consigo saber se ele volta um dia.

O que os olhos não vêem
Havia uma vez um rei
num reino muito distante,
que vivia em seu palácio
com toda a corte reinante.
Reinar pra ele era fácil,
ele gostava bastante.
Mas um dia, coisa estranha!
Como foi que aconteceu
Com tristeza do seu povo
nosso rei adoeceu.
De uma doença esquisita,
toda gente, muito aflita,
de repente percebeu
Pessoas grandes e fortes
o rei enxergava bem.
Mas se fossem pequeninas,
e se falassem baixinho,
o rei não via ninguém.
Por isso, seus funcionários
tinham de ser escolhidos
entre os grandes e falantes,
sempre muito bem nutridos.
Que tivessem muita força,
e que fossem bem nascidos.
E assim, quem fosse pequeno,
da voz fraca, mal vestido,
não conseguia ser visto.
E nunca, nunca era ouvido.
O rei não fazia nada
contra tal situação;
pois nem mesmo acreditava
nessa modificação.
E se não via os pequenos
e sua voz não escutava,
por mais que eles reclamassem
o rei nem mesmo notava.
E o pior é que a doença
num instante se espalhou.
Quem vivia junto ao rei
logo a doença pegou.
E os ministros e os soldados,
funcionários e agregados,
toda essa gente cegou.
De uma cegueira terrível,
que até parecia incrível
de um vivente acreditar,
que os mesmos olhos que viam
pessoas grandes e fortes,
as pessoas pequeninas
não podiam enxergar.
E se, no meio do povo,
nascia algum grandalhão,
era logo convidado
para ser o assistente
de algum grande figurão.
Ou senão, pra ter patente
de tenente ou capitão.
E logo que ele chegava,
no palácio se instalava;
e a doença, bem depressa,
no tal grandalhão pegava.
Todas aquelas pessoas,
com quem ele convivia,
que ele tão bem enxergava,
cuja voz tão bem ouvia,
como num encantamento,
ele agora não tomava
o menor conhecimento
Seria até engraçado
se não fosse muito triste;
como tanta coisa estranha
que por esse mundo existe.
E o povo foi desprezado,
pouco a pouco, lentamente.
Enquanto que próprio rei
vivia muito contente;
pois o que os olhos não vêem,
nosso coração não sente.
E o povo foi percebendo
que estava sendo esquecido;
que trabalhava bastante,
mas que nunca era atendido;
que por mais que se esforçasse
não era reconhecido.
Cada pessoa do povo
foi chegando á convicção,
que eles mesmos é que tinham
que encontrar a solução
pra terminar a tragédia.
Pois quem monta na garupa
não pega nunca na rédea!
Eles então se juntaram,
Discutiram, pelejaram,
E chegaram à conclusão
Que, se a voz de um era fraca,
Juntando as vozes de todos
Mais parecia um trovão.
E se todos, tão pequenos,
Fizessem pernas de pau,
Então ficariam grandes,
E no palácio real
Seriam logo avistados,
Ouviriam os seus brados,
Seria como um sinal.
E todos juntos, unidos,
fazendo muito alarido
seguiram pra capital.
Agora, todos bem altos
nas suas pernas de pau.
Enquanto isso, nosso rei
continuava contente.
Pois o que os olhos não vêem
nosso coração não sente
Mas de repente, que coisa!
Que ruído tão possante!
Uma voz tão alta assim
só pode ser um gigante!
Vamos olhar na muralha.
Ai, São Sinfrônio, me valha
neste momento terrível!
Que coisa tão grande é esta
que parece uma floresta
Mas que multidão incrível!
E os barões e os cavaleiros,
ministros e camareiros,
damas, valetes e o rei
tremiam como geléia,
daquela grande assembléia,
como eu nunca imaginei!
E os grandões, antes tão fortes,
que pareciam suportes
da própria casa real;
agora tinham xiliques
e cheios de tremeliques
fugiam da capital.
O povo estava espantado
pois nunca tinha pensado
em causar tal confusão,
só queriam ser ouvidos,
ser vistos e recebidos
sem maior complicação.
E agora os nobres fugiam,
apavorados corriam
de medo daquela gente.
E o rei corria na frente,
dizendo que desistia
de seus poderes reais.
Se governar era aquilo
ele não queria mais!
Eu vou parar por aqui
a história a que estou contando.
O que se seguiu depois
cada um vá inventando.
Se apareceu novo rei
ou se o povo está mandando,
na verdade não faz mal.
Que todos naquele reino
guardam muito bem guardadas
as suas pernas de pau.
Pois temem que seu governo
possa cegar de repente.
E eles sabem muito bem
que quando os olhos não vêem
nosso coração não sente.