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Praia

PARTIDAS E CHEGADAS
Quando observamos, da praia, um veleiro a afastar se da costa, navegando mar adentro, impelido pela brisa matinal, estamos diante de um espetáculo de beleza rara.
O barco, impulsionado pela força dos ventos, vai ganhando o mar azul e nos parece cada vez menor.
Não demora muito e só podemos contemplar um pequeno ponto branco na linha remota e indecisa, onde o mar e o céu se encontram.
Quem observa o veleiro sumir na linha do horizonte, certamente exclamará: "já se foi".
Terá sumido Evaporado
Não, certamente.
Apenas o perdemos de vista.
O barco continua do mesmo tamanho e com a mesma capacidade
que tinha quando estava próximo de nós.
Continua tão capaz quanto antes de levar ao porto de destino as cargas recebidas.
O veleiro não evaporou, apenas não o podemos mais ver.
Mas ele continua o mesmo.
E talvez, no exato instante em que alguém diz:
já se foi, haverá outras vozes,
mais além, a afirmar: "lá vem o veleiro".
Assim é a morte.
Quando o veleiro parte, levando a preciosa carga de um amor que nos foi caro, e o vemos sumir na linha que separa o visível do invisível dizemos: "já se foi".
Terá sumido Evaporado
Não, certamente.
Apenas o perdemos de vista.
O ser que amamos continua o mesmo.
Sua capacidade mental não se perdeu.
Suas conquistas seguem intactas, da mesma forma que quando estava ao nosso lado.
Conserva o mesmo afeto que nutria por nós.
Nada se perde, a não ser o corpo físico de que não mais necessita no outro lado.
E é assim que, no mesmo instante em que dizemos:
já se foi, no mais além, outro alguém dirá feliz: "já está chegando".
Chegou ao destino levando consigo
as aquisições feitas durante a viagem terrena.
A vida jamais se interrompe nem oferece mudanças espetaculares, pois a natureza não dá saltos.
Cada um leva sua carga de vícios e virtudes, de afetos e desafetos, até que se resolva por desfazer se do que julgar desnecessário.
A vida é feita de partidas e chegadas.
De idas e vindas.
Assim, o que para uns parece ser a partida, para outros é a chegada.
Um dia partimos do mundo espiritual na direção do mundo físico; noutro partimos daqui para o espiritual, num constante ir e vir, como viajantes da imortalidade que somos todos nós.

VIRGEM MORTA
Lá bem na extrema da floresta virgem,
Onde na praia em flor o mar suspira
Lá onde geme a brisa do crepúsculo
E mais poesia o arrebol transpira
Nas horas em que a tarde moribunda
As nuvens roxas desmaiando corta,
No leito mole da molhada areia
Deitem o corpo da beleza morta.
Irmã chorosa a suspirar desfolhe
No seu dormir da laranjeira as flores,
Vistam na de cetim, e o véu de noiva
Lhe desdobrem da face nos palores.
Vagueie em torno, de saudosas virgens
Errando à noite, a lamentosa turma
E, entre cânticos de amor e de saudade,
Junto às ondas do mar a virgem durma.
Às brisas da saudade soluçantes
Aí, em tarde misteriosa e bela,
Entregarei as cordas do alaúde
E irei meus sonhos prantear por ela!
Quero eu mesmo de rosa o leito encher lhe
E de amorosos prantos perfumá la
E a essência dos cânticos divinos
No túmulo da virgem derramá la.
Que importa que ela durma descorada
E velasse o palor a cor do pejo
Quero a delícia que o amor sonhava
Nos lábios dela pressentir num beijo.
Desbotada coroa do poeta!
Foi ela mesma quem prendeu te flores!
Ungiu as no sacrário de seu peito
Inda virgem do alento dos amores!
Na minha fronte riu de ti, passando,
Dos sepulcros o vento peregrino
Irei eu mesmo desfolhar te agora
Da fronte dela no palor divino!
E contudo eu sonhava! e pressuroso
Da esperança o licor sorvi sedento!
Ai! que tudo passou! só resta agora
O sorriso de um anjo macilento!
Ó minha amante, minha doce virgem,
Eu não te profanei, tu dormes pura:
No sono do mistério, qual na vida,
Podes sonhar ainda na ventura.
Bem cedo, ao menos, eu serei contigo
Na dor do coração a morte leio
Poderei amanhã, talvez, meus lábios
Da irmã dos anjos encostar no seio
E tu, vida que amei! pelos teus vales
Com ela sonharei eternamente
Nas noites junto ao mar e no silêncio,
Que das notas enchi da lira ardente!
Dorme ali minha paz, minha esperança,
Minha sina de amor morreu com ela,
E o gênio do poeta, lira eólia
Que tremia ao alento da donzela!
Qu’esperanças, meu Deus! E o mundo agora
Se inunda em tanto sol no céu da tarde!
Acorda, coração! Mas no meu peito
Lábio de morte murmurou: É tarde!
É tarde! e quando o peito estremecia
Sentir me abandonado e moribundo!
É tarde! é tarde! ó ilusões da vida,
Morreu com ela da esperança o mundo!
No leito virginal de minha noiva
Quero, nas sombras do verão da vida,
Prantear os meus únicos amores,
Das minhas noites a visão perdida
Quero ali, ao luar, sentir passando
Por alta noite a viração marinha,
E ouvir, bem junto às flores do sepulcro,
Os sonhos de su’alma inocentinha.
E quando a mágoa devorar meu peito
E quando eu morra de esperar por ela
Deixai que eu durma ali e que descanse,
Na morte ao menos, sobre o seio dela!