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Manhã

O medo
Certa manhã, ganhamos de presente um coelhinho das Índias.
Chegou em casa numa gaiola.
Ao meio dia, abri a porta da gaiola.
Voltei para casa ao anoitecer e o encontrei tal e qual o havia deixado: gaiola adentro, grudado nas barras, tremendo por causa do susto da liberdade.(p.
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A desmemória / 3
Nas ilhas francesas do Caribe, os textos de história ensinam que Napoleão foi o mais admirável guerreiro do Ocidente.
Naquelas ilhas, Napoleão restabeleceu a escravidão em 1802.
A sangue e fogo obrigou os negros livres a voltarem a ser escravos nas plantações.
Disso, os textos não dizem nada.
Os negros são os netos de Napoleão, não as suas vítimas.
(p.
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A desmemória/4
Chicago está cheia de fábricas.
Existem fábricas até no centro da cidade, ao redor do edifício mais alto do mundo.
Chicago está cheia de fábricas, Chicago está cheia de operários.
Ao chegar ao bairro de Heymarket, peço aos meus amigos que me mostrem o lugar onde foram enforcados, em 1886, aqueles operários que o mundo inteiro saúda a cada primeiro de maio.
Deve ser por aqui me dizem.
Mas ninguém sabe.
Não foi erguida nenhuma estátua em memória dos mártires de Chicago na cidade de Chicago.
Nem estátua, nem monolito, nem placa de bronze, nem nada.
O primeiro de maio é o único dia verdadeiramente universal da humanidade inteira, o único dia no qual coincidem todas as histórias e todas as geografias, todas as línguas e as religiões e as culturas do mundo; mas nos Estados Unidos, o Primeiro de maio é um dia como qualquer outro.
Nesse dia, as pessoas trabalham normalmente, e ninguém, ou quase ninguém, recorda que os direitos da classe operária não brotaram do vento, ou da mão de Deus ou do amo.
Após a inútil exploração de Heymarket, meus amigos me levam para conhecer a melhor livraria da cidade.
E lá, por pura curiosidade, por pura casualidade, descubro um velho cartaz que esta como que esperando por mim, metido entre muitos outros cartazes de música, rock e cinema.
O cartaz reproduz um provérbio da África: Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador.
(p.
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Ah
Hoje eu quebrei o meu despertador logo pela manhã
Tocou atrasado e eu quase perdi o horário da van
Agora você vê como são as coisas, Maria José
Se der
Se der
pra você me emprestar aquele seu vestido azul cor de mar
E se não servir vou tentar perder um quilo e meio até lá
Semana que vem é o tal casamento e eu não tenho o que usar
Se der
Ah
E falando nisso homem bom hoje em dia tá ruim de arranjar
Aquele que eu tinha eu peguei com outra, mandei ele andar
Malandro e folgado comigo não dura mais nem um luar
Tá rindo, é
Ah
vamos dando risada que a vida nos chama não dá pra chorar
A minha oração é bem curta pro santo não entediar
E vamos que vamos e vamos que vamos
Ah
vamos dando risada que a vida nos chama não dá pra chorar
A minha oração é bem curta pra não entediar
E vamos que vamos e vamos que vamos que dá
Ah
Recebi um torpedo da telefonia no meu celular
prometendo desconto as três da manha se eu puder falar
Mas de madrugada quem vai me atender Quem vai me ligar
Eu hein
Tchau!
Fique tranquila que o vestido eu cuido não deixo sujar
Quem sabe eu te ligue pra poder a tarifa a gente aproveitar
ou quem sabe eu arraje até alguém novo pra mim namorar
Ta rindo, é
Ah
vamos dando risada que a vida nos chama não dá pra chorar
A minha oração é bem curta pro santo não entediar
E vamos que vamos e vamos que vamos
Ah
vamos dando risada que a vida nos chama não dá pra chorar
A minha oração é bem curta pra não entediar
E vamos que vamos e vamos que vamos que dá
E vamos que dá
E vamos que dá

Tenho trabalhado tanto, mas sempre penso em você.
Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assenta e com mais força quando a noite avança.
Não são pensamentos escuros, embora noturnos Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você.
Eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro.
Quis tanto dar, tanto receber.
Quis precisar, sem exigências.
E sem solicitações, aceitar o que me era dado.
Sem ir além, compreende Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana.
Mas o que tinha, era seu.
Mas se você tivesse ficado, teria sido diferente Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais por que ir em frente Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê.
Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido.
Tinha terminado, então.
Porque a gente, alguma coisa dentro da gente, sempre sabe exatamente quando termina.
Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas.
Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros.
De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento.
Ser novo.
Mesmo que a gente se perca, não importa.
Que tenha se transformado em passado antes de virar futuro.
Mas que seja bom o que vier, para você, para mim.
Te escrevo, enfim, me ocorre agora, porque nem você nem eu somos descartáveis. E eu acho que é por isso que te escrevo, para cuidar de ti, para cuidar de mim – para não querer, violentamente não querer de maneira alguma ficar na sua memória, seu coração, sua cabeça, como uma sombra escura.