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Estrela

Vozes D'África
Deus! ó Deus! onde estás que não respondes
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes
Embuçado nos céus
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito
Onde estás, Senhor Deus
Qual Prometeu tu me amarraste um dia
Do deserto na rubra penedia
Infinito: galé!
Por abutre me deste o sol candente,
E a terra de Suez foi a corrente
Que me ligaste ao pé
O cavalo estafado do Beduíno
Sob a vergasta tomba ressupino
E morre no areal.
Minha garupa sangra, a dor poreja,
Quando o chicote do simoun dardeja
O teu braço eternal.
Minhas irmãs são belas, são ditosas
Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas
Dos haréns do Sultão.
Ou no dorso dos brancos elefantes
Embala se coberta de brilhantes
Nas plagas do Hindustão.
Por tenda tem os cimos do Himalaia
Ganges amoroso beija a praia
Coberta de corais
A brisa de Misora o céu inflama;
E ela dorme nos templos do Deus Brama,
Pagodes colossais
A Europa é sempre Europa, a gloriosa!
A mulher deslumbrante e caprichosa,
Rainha e cortesã.
Artista corta o mármor de Carrara;
Poetisa tange os hinos de Ferrara,
No glorioso afã!
Sempre a láurea lhe cabe no litígio
Ora uma c'roa, ora o barrete frígio
Enflora lhe a cerviz.
Universo após ela doudo amante
Segue cativo o passo delirante
Da grande meretriz.

Mas eu, Senhor! Eu triste abandonada
Em meio das areias esgarrada,
Perdida marcho em vão!
Se choro bebe o pranto a areia ardente;
talvez p'ra que meu pranto, ó Deus clemente!
Não descubras no chão
E nem tenho uma sombra de floresta
Para cobrir me nem um templo resta
No solo abrasador
Quando subo às Pirâmides do Egito
Embalde aos quatro céus chorando grito:
"Abriga me, Senhor! "
Como o profeta em cinza a fronte envolve,
Velo a cabeça no areal que volve
O siroco feroz
Quando eu passo no Saara amortalhada
Ai! dizem: "Lá vai África embuçada
No seu branco albornoz "
Nem vêem que o deserto é meu sudário,
Que o silêncio campeia solitário
Por sobre o peito meu.
Lá no solo onde o cardo apenas medra
Boceja a Esfinge colossal de pedra
Fitando o morno céu.
De Tebas nas colunas derrocadas
As cegonhas espiam debruçadas
O horizonte sem fim
Onde branqueia a caravana errante,
E o camelo monótono, arquejante
Que desce de Efraim

Não basta inda de dor, ó Deus terrível !
É, pois, teu peito eterno, inexaurível
De vingança e rancor
E que é que fiz, Senhor que torvo crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador !

Foi depois do dilúvio um viadante,
Negro, sombrio, pálido, arquejante,
Descia do Arará
E eu disse ao peregrino fulminado:
"Cam! serás meu esposo bem amado
Serei tua Eloá.
.
.
"
Desde este dia o vento da desgraça
Por meus cabelos ululando passa
O anátema cruel.
As tribos erram do areal nas vagas,
E o nômade faminto corta as plagas
No rápido corcel.
Vi a ciência desertar do Egito
Vi meu povo seguir Judeu maldito
Trilho de perdição.
Depois vi minha prole desgraçada
Pelas garras d'Europa arrebatada
Amestrado falcão!
Cristo! embalde morreste sobre um monte
Teu sangue não lavou de minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por fado adverso,
Meus filhos alimária do universo,
Eu pasto universal
Hoje em meu sangue a América se nutre
Condor que transformara se em abutre,
Ave da escravidão,
Ela juntou se às mais irmã traidora
Qual de José os vis irmãos outrora
Venderam seu irmão.
Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p'ra os crimes meus!
Há dois mil anos eu soluço um grito
escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus! Senhor, meu Deus!!
São Paulo, 11 de junho de 1868