Um diário é um amigo Uma companhia Também.
Mas é sobretudo a duplicação da gente mesmo, espelho que não se apaga quando o rosto se retrai ou muda, álbum de retratos que conserva muito mais que um belo sorriso e a paisagem de fundo.
Quieto, compreensivo, calmo, o diário está ali, aberto e limpo.
Oferecendo seu espaço, no qual você vai desenhar a sua vida e ele apenas receber.
Ele não tem recriminações a fazer, ele não diz que a culpa é sua, ele não encosta dedos na ferida.
Como uma cama, como um mar, ele recebe.
Você escreve muito se a emoção é forte, vai e volta e repete e repisa o mesmo assunto.
Ninguém conta seu tempo, ninguém conta suas páginas.
Você pode escrever até a mão cansar, até a alma aliviar.
Você pode escrever e escrever e escrever.
Ele aceita.
E quando não quiser escrever mais, é só fechar e guardar o diário que ele mais nada exigirá.
Não me diga que não tem o que contar.
Você é o centro do seu universo, nada é mais importante do que aquilo que lhe diz respeito.
Isso é que faz o encanto do diário.
Se fosse usado apenas para registrar a queda do governo ou a evolução dos projetos orbitais, seria desnecessário, porque para isso já existe a imprensa, os arquivos, os registros da memória nacional.
O diário serve justamente para conservar o pequeno acidente humano e individual, sua discussão com um amigo, o namoro lancinante, a dúvida sobre a roupa para usar naquela festa O diário serve para conservar você.
(Marina Colasanti)