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Amor Marta Medeiros

Se era amor Não era.
Era outra coisa.
Restou uma dor profunda, mas poética.
Estou cega, ou quase isso: tenho uma visão embaraçada do que aconteceu.
É algo que estimula minha autocomiseração.
Uma inexistência que machucava, mas ninguém morreu.
É um velório sem defunto.
Eu era daquele homem, ele era meu, e não era amor, então era o que
Dizem que as pessoas se apaixonam pela sensação de estar amando, e não pelo amado.
É uma possibilidade.
Eu estava feliz, eu estava no compasso dos dias e dos fatos.
Eu estava plena e estava convicta.
Estava tranqüila e estava sem planos.
Estava bem sintonizada.
E de uma dia para o outro estava sozinha, estava antiga, escrava, pequena.
Parece o final de um amor, mas não era amor.
Era algo recém nascido em mim, ainda não batizado.
E quando acabou, foi como se todas as janelas tivessem se fechado às três da tarde num dia de sol.
Foi como se a praia ficasse vazia.
Foi como um programa de televisão que sai do ar e ninguém desliga o aparelho, fica ali o barulho a madrugada inteira, o chiado, a falta de imagem, uma luz incômoda no escuro.
Foi como estar isolada num país asiático, onde ninguém fala sua língua, onde ninguém o enxerga.
Nunca me senti tão desamparada no meu desconhecimento.
Quem pode explicar o que me acontece dentro Eu tenho que responde às minhas próprias perguntas.
Eu tenho que ser serena para me aplacar minha própria demência.
E tenho que ser discreta para me receber em confiança.
E tenho ser lógica para entender minha própria confusão.
Ser ao mesmo tempo o veneno e o antídoto.
Se não era amor, Lopes, era da mesma família.
Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados.
A carência.
A saudade.
A mágoa.
Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não sabe se vai ser antes ou depois de se chocar com o solo.
Eu bati a 200Km/h e estou voltando a pé pra casa, avariada.
Eu sei, não precisa me dizer outra vez.
Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos.
Talvez seja este o ponto.
Talvez eu não seja adulta suficiente para brincar tão longe do meu pátio, do meu quarto, das minhas bonecas.
Onde é que eu estava com a cabeça, Lopes, de acreditar em contos de fadas, de achar que a gente manda no que sente e que bastaria apertar o botão e as luzes apagariam e eu retornaria minha vida satisfatória, sem seqüelas, sem registro de ocorrência
Eu nunca amei aquele cara, Lopes.
Eu tenho certeza que não.
Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada.
Não era amor, era uma sorte.
Não era amor, era uma travessura.
Não era amor, era sacanagem.
Não era amor, eram dois travessos.
Não era amor, eram dois celulares desligados.
Não era amor, era de tarde.
Não era amor, era inverno.
Não era amor, era sem medo.
Não era amor, era melhor.

E agora está você aí, com esse amor que não estava nos planos.
Um amor que não é a sua cara, que não lembra em nada um amor idealizado.
E, por isso mesmo, um amor que deixa você em pânico e em êxtase.
Tudo diferente do que você um dia supôs, um amor que te perturba e te exige, que não aceita as regras que você estipulou.
Um amor que a cada manhã faz você pensar que de hoje não passa, mas a noite chega e esse amor perdura, um amor movido por discussões que você não esperava enfrentar e por beijos para os quais nem imaginava ter tanto fôlego.
Um amor errado como aqueles que dizem que devemos aproveitar enquanto não encontramos o certo, e o certo era aquele outro que você havia solicitado, mas a vida, que é péssima em atender pedidos, lhe trouxe esse e conforme se, saboreie esse presente, esse suspense, esse nonsense, esse amor que você desconfia que não lhe pertence.
Aquele amor em formato de coração, amor com licor, amor de caixinha, não apareceu.
Olhe pra você vivendo esse amor a granel, esse amor escarcéu, não era bem isso que você desejava, mas é o amor que lhe foi destinado, o amor que começou por telefone, o amor que começou pela internet, que esbarrou em você no elevador, o amor que era pra não vingar e virou compromisso, olha você tendo que explicar o que não se explica, você nunca havia se dado conta de que amor não se pede, não se especifica, não se experimenta em loja – ah, este me serviu direitinho!

Maior e melhor que amor
Às vezes me pergunto por que o amor, que dizem ser a coisa mais forte e importante que há, faz tanta gente sofrer.
Entendo que algumas pessoas amam com impaciência, amam com possessão, amam com insegurança, amam com violência, amam com preguiça, amam das formas mais desajeitadas, e nada disso é coisa fácil de lidar.
Mas o amor é assim mesmo, vem acompanhado de várias outras sensações, todas elas fora do nosso controle.
O amor é lindo, mas também pode ser tenso, fóbico, difícil.
Billie Holliday cantava: “Não me ameace com amor, baby/vamos só caminhando na chuva”.
Chego à conclusão, então, de que se o amor é nobre e, ao mesmo tempo, ameaçador, deve existir algo muito melhor que amor.
Muito maior que ele.
Um sentimento que vários de nós talvez já tenhamos experimentado, só que, como esse sentimento nunca foi batizado, não o reconhecemos com facilidade.
É difícil classificar as coisas sem nome.
Maior que o amor, melhor que o amor: um sentimento que ultrapasse todos os padrões convencionais de relacionamento.
Que prescinda de fogos de artifício por ter chegado e também dispense velório por ter partido, que se instale sem radares em volta, que não nos deixe apreensivos para entendê lo e nem para traduzir os seus sinais.
Um sentimento que não se atenha à longevidade nem a uma intensidade medida pelo número de declarações verbais.
Que seja algo que supere conceitos como matrimônio, família, adequação social.
Que seja individualizado, amplo e sem contra indicações.
O amor como o conhecemos é apenas um aprendizado, um estágio antes de a gente alcançar isso que é maior e melhor: um sentimento que independe da presença constante do outro, que confere leveza à vida, que nos deixa absolutamente plenos e livres.
Plenos o amor nos torna; mas livres Não.
O amor termina e isso nos atormenta.
Quando é maior e melhor que amor, não termina, mesmo quando a relação se desfaz.
É um sentimento que, quanto mais forte, mais calmo.
Quanto maior, mais discreto.
A gente não o pensa, não o discute, não o compara, não o idealiza.
Ele simplesmente encontra asilo dentro de nós e cresce sem a aflição daquelas regrinhas impostas ao amor: “tem que cultivar, tem que reinventar, tem que ”.
Tem que nada.
Tem que apenas curtir.
É até bom que ele não tenha nome, símbolo, cor e teorias.
Melhor assim, sem estampar capas de revista, sem que ninguém o use como argumento para cometer insanidades, sem virar mote para propaganda, sem fazer sofrer nas novelas e nem na vida.
Simplesmente enorme assim, sem ameaçar.
Transcendente como um convite para caminhar na chuva