Frases.Tube

Amor Marta Medeiros

Modo de usar se
"Coitada, foi usada por aquele cafajeste".
Ouvi essa frase na beira da praia, num papo que rolava no guarda sol ao lado.
Pelo visto a coitada em questão financiou algum malandro, ou serviu de degrau para um alpinista social, sei lá, só sei que ela havia sido usada no pior sentido, deu pra perceber pelo tom do comentário.
Mas não fiquei com pena da coitada, seja ela quem for.
Não costumo ir atrás desta história de "foi usada".
No que se refere a adultos, todo mundo sabe mais ou menos onde está se metendo, ninguém é totalmente inocente.
Se nos usam, algum consentimento a gente deu, mesmo sem ter assinado procuração.
E se estamos assim tão desfrutáveis para o uso alheio, seguramente é porque estamos nos usando pouco.
Se for este o caso, seguem sugestões para usar a si mesmo: comer, beber, dormir e transar, nossas quatro necessidades básicas, sempre com segurança, mas também sem esquecer que estamos aqui para nos divertir.
Usar se nada mais é do que reconhecer a si próprio como uma fonte de prazer.
Dançar sem medo de pagar mico, dizer o que pensa mesmo que isso contrarie as verdades estabelecidas, rir sem inibição – dane se se aparecer a gengiva.
Mas cuide da sua gengiva, cuide dos dentes, não se negligencie.
Use seu médico, seu dentista, sua saúde.
Use se para progredir na vida.
Alguma coisa você já deve ter aprendido até aqui.
Encoste se na sua própria experiência e intuição, honre sua história de vida, seu currículo, e se ele não for tão atraente, incremente o.
Use sua voz: marque entrevistas.
Use sua simpatia: convença os outros.
Use seus neurônios: pra todo o resto.
E este coração acomodado aí no peito Use o, ora bolas.
Não fique protegendo se de frustrações só porque seu grande amor da adolescência não deu certo.
Ou porque seu casamento até que a morte os separe durou "apenas" 13 anos.
Não enviuve de si mesmo, ninguém morreu.
Use se para conseguir uma passagem para a Patagônia, use se para fazer amigos, use se para evoluir.
Use seus olhos para ler, chorar, reter cenas vistas e vividas – a memória e a emoção vêm muito do olho.
Use os ouvidos para escutar boa música, estímulos e o silêncio mais completo.
Use as pernas para pedalar, escalar, levantar da cama, ir aonde quiser.
Seus dedos para pedir carona, escrever poemas, apontar distâncias.
Sua boca pra sorrir, sua barriga para gerar filhos, seus seios para amamentar, seus braços para trabalhar, sua alma para preencher se, seu cérebro para não morrer em vida.
Use se.
Se você não fizer, algum engraçadinho o fará.
E você virará assunto de beira de praia.

Absolvendo o amor
Duas historinhas que envolvem o amor.
Uma mulher namora um príncipe encantado por dois meses e então descobre que ele não é príncipe porcaria nenhuma, e sim um bobalhão que não soube equalizar as diferenças e sumiu no mundo sem se despedir.
Mais um, segundo ela.
São todos assim, os homens.
Ela resmunga que não dá mesmo para acreditar no amor.
Peraí.
Por que o amor tem que levar a culpa por esses desencontros Que a princesa não acredite mais no Pedro, no Paulo ou no Pafúncio, vá lá, mas responsabilizar o amor pelo fim de uma relação e não querer mais se envolver com ninguém é preguiça de continuar vivendo.
Não foi o amor que caiu fora.
Aliás, ele talvez nem tenha entrado nessa história.
Quando entra, é para contribuir, para apimentar, para dar sabor, para ser feliz.
Se o relacionamento não dá certo, ou dá certo por um determinado tempo e depois acaba, o amor merece um aperto de mãos, um muito obrigada e até a próxima.
Fique com o cartão dele, com os contatos todos, você vai chamá lo de novo, vai precisar de seus serviços, esteja certa.
Dispense namorados, mas não dispense o amor, porque este estará sempre a postos.
Viver sem amor por uns tempos é normal.
Viver sem amor para sempre é azar ou incompetência.
Mas não pode ser uma escolha, nunca.
Escolher não amar é suicídio simbólico, é não ter razão para existir.
Não me venha falar de amigos e filhos e cachorros, essas compensações amorosas sofisticadas, mas diferentes.
Estamos falando de homens e mulheres que não se conhecem até que um dia, uau.
Acontece.
Segunda história.
Uma mulher ama profundamente, é amada profundamente, os dois dormem embolados e se gostam de uma forma indecente, de tão certo que dá a relação, e de tão gostosa que são inclusive as brigas.
Tudo funciona como um relógio que ora atrasa, ora adianta, mas não pára, um tiquetaque excitante que ela não divulga para as amigas, não espalha, adivinhe por quê: culpa.
Morre de culpa desse amor que funciona, desse amor que é desacreditado em matérias de jornal e em pesquisas, desse amor que deram como morto e enterrado, mas que na casa dela vive cheio de gás e ameaça ser eterno.
Culpa, a pobre mulher sente, e mais: sente medo.
Nem sabe de quê, mas sente.
Medo de não merecê lo, medo de perdê lo, medo do dia seguinte, medo das estatísticas, medo dos exemplos das outras mulheres, daquele mulher lá do início do texto, por exemplo, que se iludiu com mais um bobalhão que desapareceu sem deixar rastro ou bobalhona foi ela, nunca se sabe.
Mas o fato é que terminou o amor da mulher lá do início do texto, enquanto essa criatura feliz e apaixonada, é ao mesmo tempo infeliz e temorosa porque sente aquilo que tanta gente busca e pouco encontra: o tal amor como se sonha.
Uma mulher infeliz por amar de menos, outra infeliz por amar demais, e o amor injustamente crucificado por ambas.
Ele, coitado, sendo acusado de provocar dor, quando deveria ser reverenciado simplemente por ter acontecido na nossa vida, mesmo que sua passagem tenha sido breve.
E se não foi, se permaneceu em nossa vida, aí nem se fala.
Qualquer amor até aqueles que a gente inventa merece nossa total indulgência, porque quem costuma estragar tudo, caríssimos, somos nós.

Outra pessoa
Sou fã da Gloria Kalil, uma mulher elegante em sua despretensiosa simplicidade e que consegue ser feminina e categórica ao mesmo tempo combinação rara.
Pois é ela que dá graça e leveza ao quadro Etiqueta Urbana, que apresenta junto com Renata Ceribelli no Fantástico, aos domingos.
No último programa (22/07), o assunto era etiqueta nas relações amorosas: o que a intimidade permite e o que não permite.
Todos deveriam nascer sabendo, mas há quem se atrapalhe, normal.
O que é difícil de acreditar é que ainda exista, como o programa mostrou, mulheres que atendam o celular do parceiro para checar quem está ligando pra ele.
Uma moça explicou que faz isso porque se sente no direito de saber quem está atrás do seu marido, e justificou: "se fosse outra pessoa, eu não faria".
No que Gloria Kalil, abismada, alertou: "mas ele é outra pessoa".
Extra, extra! Notícia quente para quem está chegando agora da lua: nossos namorados, maridos e esposas são outras pessoas.
Eles dizem que nos amam, e tudo indica que é verdade, mas isso não significa que o amor possua o dom de fundir o casal.
Este ser com quem você divide o teto e as contas continua tendo amigos próprios, clientes próprios, vida própria.
Você não vai acreditar: até pensamentos próprios! Pois é, criatura.
Seu grande amor nasceu de uma família que não tem nada a ver com a sua, teve uma infância muito diferente da que você teve e viveu muito bem sem sonhar que você iria atravessar o destino dele claro que, se ele for romântico, vai negar esta última parte e dizer que simplesmente não existiu antes de você aparecer.
Como é que você tem coragem de xeretar a privacidade de um sujeito tão sedutor
Celulares tocam numa tarde de domingo e isso não quer dizer que do outro lado da linha esteja um ricardão ou uma manteúda.
Mas pode ser que esteja também, quem aqui tem bola de cristal Só que não é esta a questão.
O assunto em pauta é civilidade, lembra Tem que ter! Educação segue sendo necessário até pra quem está casado há 82 anos, sem contar os sete de namoro.
Se não houver gentileza e respeito, vira barraco.
Baixaria.
Fiasco.
Portanto, pare de achar que está sendo traído e de ficar procurando evidências.
Siga o conselho do sábio psiquiatra suíço Adolph Meyer: não coce onde não está coçando.
As relações amorosas seriam muito menos traumatizantes se os envolvidos tivessem a consciência de que estão vivenciando um excitante encontro entre adultos, e não um projeto de mútua adoção.
Ninguém é criança, ninguém agüenta monitoramento constante.
Morando em casas separadas ou na mesma casa, ele é uma pessoa, você é outra, e é aconselhável que cada um respire com o próprio nariz, pra não acabar em asfixia.