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SIMONE SANTIAGO BERNARDO

NINGUÉM
Quando a gente conhece uma pessoa, construímos uma imagem dela.
Esta imagem não tem a ver com o que ela é de verdade, tem a ver com as nossas expectativas e tem muito a ver com o que ela "vende" de si mesma.
É pelo resultado disso tudo que nos apaixonamos.
Se esta pessoa for bem parecida com a imagem que projetou em nós, desfazer se deste amor, mais tarde, não será tão penoso.
Restará a saudade, talvez uma pequena mágoa, mas nada que resista por muito tempo.
No final, sobreviverão as boas lembranças.
Mas se esta pessoa "inventou" um personagem e você caiu na arapuca, aí, somado à dor da separação, virá um processo mais lento e sofrido: a de desconstrução daquela pessoa que você achou que era real.
Desconstruindo José, desconstruindo Manuel, desconstruindo Raimundo, enfim Milhares de pessoas estão vivendo seus dias aparentemente numa boa, mas por dentro estão desconstruindo ilusões, tudo porque se apaixonaram por uma fraude, não por alguém autêntico.
Ok, é natural que, numa aproximação, a gente "venda" mais nossas qualidades que defeitos.
Ninguém vai iniciar uma história dizendo: muito prazer, eu sou arrogante, preguiçoso e cleptomaníaco.
Nada disso, é a hora de fazer charme.
Mas isso é no começo.
Uma vez o romance engatado, aí as defesas são postas de lado e a gente mostra quem realmente é, nossas gracinhas e nossas imperfeições.
Isso se formos honestos.
Os desonestos do amor são aqueles que fabricam ideias e atitudes, até que um dia cansam da brincadeira, deixam cair a máscara e o outro fica ali, atônito.
Quem se apaixonou por um falsário, tem que desconstruí lo para se desapaixonar.
É um sufoco.
Exige que você reconheça que foi seduzido por uma fantasia, que você é capaz de se deixar confundir, que o seu desejo de amar é mais forte do que sua astúcia.
Significa encarar que alguém por quem você dedicou um sentimento nobre e verdadeiro não chegou a existir, tudo não passou de uma representação – e olha, talvez até não tenha sido por mal, pode ser que esta pessoa nem conheça a si mesma, por isso ela se inventa.
A gente resiste muito a aceitar que alguém que amamos não é, e nem nunca foi, especial.
Que sorte quando a gente sabe com quem está lidando: mesmo que venha a desamá lo um dia, tudo o que foi construído se manterá de pé Mas nem sempre acontece assim

NUVEM QUE PASSA CÉU QUE FICA
Tristeza é coisa pra se encarar.
Não adianta tentar fugir, sem olhá la, sem reconhecê la, sem chamá la pelo nome, porque ela costuma nos alcançar de novo quando cansamos de correr.
Não adianta enxotá la porta afora, sem ouvir o que quer nos contar.
Ela finge que vai embora, mas fica lá no cantinho da gente, escondida, sem dar um pio, deixando que continuemos a mentir um bocado para nós mesmos.
E quando a gente está todo prosa achando que ela já foi, ela surge diante de nós e nos pergunta se já podemos lhe dar um pouco de atenção.
Tristeza é coisa pra se assumir.
Não adianta colocar lhe à força um nariz de palhaço para disfarçá la.
Enchê la de purpurina, confete e serpentina, e exigir que sambe no pé o último samba enredo da escola do coração.
Não adianta tentar embriagá la, porque, depois da ressaca, ela costuma acordar ainda mais chata.
Chatíssima, aliás.
Não adianta tentar seduzi la com rodízios de pizza, feijoadas e churrascos.
Ela vai comer tudo, empanturrar se, e depois do café e da soneca vai bater em nosso ombro, a pança cheia, e nos dizer que ela não é boba nem nada.
Tristeza é coisa pra se olhar.
Não adianta fazer de conta que ela não está lá, olhando pra gente com aquele olho comprido de quem quer colo.
Com aquele ar de passarinho com dor de garganta.
Com aquela cara de dia cinza em que não bate sol no nosso quintal.
Podemos não gostar do clima que ela tem.
Das coisas que nos revela.
Dos medos que desperta.
Do itinerário dos seus dedos, que apontam dores que ainda não foram curadas.
Não dá para ignorarmos que também faz parte da vida.
Que, querendo ou não, em algumas circunstâncias vamos mesmo encontrá la.
Muitas vezes eu me flagrei tentando fugir da tristeza com os recursos mais absurdos.
Alguns, até patéticos.
A nossa maneira de lidar com as emoções, de vez em quando, é realmente cômica.
É claro que a gente só ri depois que passa.
Sobretudo, depois que entende.
E rirmos de nós mesmos, dos nossos disfarces, das armadilhas, das limitações, tem lá o seu lado positivo, desde que a gente não exagere nessa prática como uma forma a mais de escapar do sentimento.
Tentamos abafar a voz da nossa tristeza em diversas circunstâncias.
Da tristeza e também do medo, da carência, da raiva, da sensação de que estamos separados das coisas.
Tentamos fingir que não estamos percebendo.
Que não é com a gente.
Dispomos de uma série de fórmulas testadas e aprovadas para fazer isso com eficiência.
Algumas ainda dão certo; outras, não mais.
O problema é que quando ignoramos a tristeza ou algum desses outros sentimentos embaraçosos, conseguimos apenas potencializá los em nós.
A única coisa que a tristeza quer é que criemos espaço para ouvi la e acolhê la.
Para saber porque está doendo.
Para lhe oferecermos olhar e cuidado.
É assim que ela começa a esvaziar e a se transformar na ação às vezes necessária.
A coragem de assumir que estamos tristes, quando a tristeza chega, não implica permitir que ela nos escravize, a não ser que essa seja a nossa escolha.
Ela é uma nuvem que passa, somos o céu que fica.