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Mário de Sá Carneiro

A UM SUICIDA
À memória de Tomás Cabreira Júnior
Tu crias em ti mesmo e eras corajoso,
Tu tinhas ideais e tinhas confiança,
Oh! quantas vezes desesp'rançoso,
Não invejei a tua esp'rança!
Dizia para mim: Aquele há de vencer
Aquele há de colar a boca sequiosa
Nuns lábios cor de rosa
Que eu nunca beijarei, que me farão morrer
A nossa amante era a Glória
Que para ti era a vitória,
E para mim asas partidas.
Tinhas esp'ranças, ambições
As minhas pobres ilusões,
Essas estavam já perdidas
Imersa no azul dos campos siderais
Sorria para ti a grande encantadora,
A grande caprichosa, a grande amante loura
Em que tínhamos posto os nossos ideais.
Robusto caminheiro e forte lutador
Havias de chegar ao fim da longa estrada
De corpo avigorado e de alma avigorada
Pelo triunfo e pelo amor
Amor! Quem tem vinte anos
Há de por força amar.
Na idade dos enganos
Quem se não há de enganar
Enquanto tu vencerias
Na luta heroica da vida
E, sereno, esperarias
Aquela segunda vida
Dos bem fadados da Glória
Dos eternos vencedores
Que revivem na memória
Sem triunfos, sem amores,
Eu teria adormecido
Espojado no caminho,
Preguiçoso, entorpecido,
Cheio de raiva, daninho
Recordo com saudade as horas que passava
Quando ia a tua casa e tu, muito animado,
Me lias um trabalho há pouco terminado,
Na salazinha verde em que tão bem se estava.
Dizíamos ali sinceramente
As nossas ambições, os nossos ideais:
Um livro impresso, um drama em cena, o nome nos jornais
Dizíamos tudo isso, amigo, seriamente
Ao pé de ti, voltava me a coragem:
Queria a Glória Ia partir!
Ia lançar me na voragem!
Ia vencer ou sucumbir!
Ai! mas um dia, tu, o grande corajoso,
Também desfaleceste.
Não te espojaste, não.
Tu eras mais brioso:
Tu, morreste.
Foste vencido Não sei.
Morrer não é ser vencido,
Nem é tão pouco vencer.
Eu por mim, continuei
Espojado, adormecido,
A existir sem viver
Foi triste, muito triste, amigo, a tua sorte
Mais triste do que a minha e malaventurada.
Mas tu inda alcançaste alguma coisa: a morte,
E há tantos como eu que não alcançam nada
Lisboa, 1° de outubro de 1911
(aos 21 anos)