Fui criado no mato e aprendi a gostar dascoisinhas do chão –Antes que das coisas celestiais.
Agora só espero a despalavra: a palavra nascida para o canto desde os pássaros.A palavra sem pronúncia, ágrafa.Quero o som que ainda não deu liga.Quero o som gotejante das violas de cocho.A palavra que tenha um aroma ainda cego.Até antes do murmúrio.Que fosse nem um risco de voz.Que só mostrasse a cintilância dos escuros.A palavra incapaz de ocupar o lugar de uma imagem.O antesmente verbal: a despalavra mesmo.
Meditei sobre as borboletas.( ) Vi que elas podem pousar nas flores e nas pedras, sem magoar as próprias asas.
Natureza é uma força que inunda como os desertos.
Me explica por que que um olhar de piedadeCravado na condição humanaNão brilha mais que anúncio luminoso
Tenho o privilégio de não saber quase tudo.E isso explica o resto.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Ninguém é pai de um poema sem morrer.
Sou água que corre entre pedras: liberdade caça jeito.
Poetas e tontos são feitos com palavras.
Poeta é um ente que lambe as palavras e depois se alucina.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
O Menino Que Carregava Água Na PeneiraTenho um livro sobre águas e meninos.Gostei mais de um meninoque carregava água na peneira.A mãe disse que carregar água na peneiraera o mesmo que roubar um vento e saircorrendo com ele para mostrar aos irmãos.A mãe disse que era o mesmo quecatar espinhos na águaO mesmo que criar peixes no bolso.O menino era ligado em despropósitos.Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.A mãe reparou que o meninogostava mais do vaziodo que do cheio.Falava que os vazios são maiorese até infinitos.Com o tempo aquele meninoque era cismado e esquisitoporque gostava de carregar água na peneiraCom o tempo descobriu que escrever seriao mesmo que carregar água na peneira.No escrever o menino viuque era capaz de sernoviça, monge ou mendigoao mesmo tempo.O menino aprendeu a usar as palavras.Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.E começou a fazer peraltagens.Foi capaz de interromper o vôo de um pássarobotando ponto final na frase.Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.O menino fazia prodígios.Até fez uma pedra dar flor! A mãe reparava o menino com ternura.A mãe falou:Meu filho você vai ser poeta.Você vai carregar água na peneira a vida toda.Você vai encher osvazios com as suasperaltagense algumas pessoasvão te amar por seusdespropósitos.
”Formiga é um ser tão pequeno que não agüenta nem neblina.Bernardo me ensinou: Para infantilizar formigas é só pingar um pouquinho de água no coração delas.Achei fácil”.(Extraído do "Livro Sobre Nada" (Arte de Infantilizar Formigas), Editora Record Rio de Janeiro, 1996, pág – projeto releituras)
Em rios correntesuma pedraleva quase cem anospara ter murmúrios