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Henry Miller

Assim que a gente entrega a alma, tudo continua com mortal certeza, mesmo no meio do caos.
Desde o princípio, jamais passou de outra coisa que não o caos: um fluido que me envolvia, que eu respirava pelas guelras.
Nos substratos, onde a lua brilhava constante e opaca, era liso e fecundante; acima, confusa vozearia e discórdia.
Em tudo eu via logo um oposto, uma contradição, e entre o real e irreal, a ironia, o paradoxo.
Eu era o meu pior inimigo.
Não desejava fazer nada que fosse melhor não fazer.
Mesmo em criança, quando não me faltava nada, queria morrer: queria render me porque não via sentido em lutar.
Sentia que nada se provaria, consubstanciaria, somaria ou subtrairia pela continuação de uma existência que eu não pedira.
Todos á minha volta eram um fracasso, ou, se não, ridículos.
Sobretudo os bem sucedidos.
Estes me entediavam até as lágrimas.
Eu era excessivamente compreensivo, mas não por simpatia.
Era uma qualidade totalmente negativa, uma fraqueza que desabrochava à simples visão da infelicidade humana.
Jamais ajudei a quem quer que fosse esperando que isso fizesse algum bem; ajudava porque não podia agir de outro modo.
Parecia me fútil querer mudar a condição das coisas; convencera me de que nada se alteraria, a não ser uma mudança de opinião, e quem conseguiria mudar opiniões dos homens De vez em quando, um amigo se convertia: coisa que me dava engulhos.
Eu não precisava mais de Deus do que Ele de mim, e se houvesse um Deus, dizia me muitas vezes, eu O enfrentaria com toda calma e cuspiria em Sua cara.

Desejo dar uma volta por aquelas altas e áridas cordilheiras de montanhas onde se morre de sede e frio, por aquela história "extratemporal", aquele absoluto de tempo e espaço onde não existe homem, nem fera, nem vegetação, onde se fica louco de solidão, com linguagem que é de meras palavras, onde tudo é desengachado, desengrenado, sem articulação com os tempos.
Desejo um mundo de homens e mulheres, de árvores que não falem (porque já existe conversa demais no mundo! ) de rios que levem a gente a lugares, não rios que sejam lendas, mas rios que ponham a gente em contato com outros homens e mulheres, com arquitetura, religião, plantas, animais rios que tenham barcos e nos quais os homens se afoguem, mas não se afoguem no mito e lenda e nos livros e poeira do passado, mas no tempo e no espaço e na história.
Desejo rios que façam oceanos como Shakespeare e Dante, rios que não se sequem no vazio do passado.
Oceanos sim! Tenhamos novos oceanos que apaguem o passado, oceanos que criem novas formações geológicas, novas vistas topográficas e continentes estranhos, aterrizadores, oceanos que destruam e preservem ao mesmo tempo, oceanos nos quais possamos navegar, partir para novas descobertas, novos horizontes.
Tenhamos mais oceanos, mais convulsões, mais guerras, mais holocaustos.
Tenhamos um mundo de homens e mulheres com dínamos entre as pernas, um mundo de fúria natural, de paixão, ação, drama, sonhos, loucura, um mundo que produza extâse e não peidos secos.
Creio hoje mais do que nunca é preciso procurar um livro ainda que de uma só grande página: precisamos procurar fragmentos, lascas, unhas dos dedos dos pés, tudo quanto contenha minério, tudo quanto seja capaz de ressuscitar o corpo e a alma.