"Sempre tive medo de amar, medo de me machucar, e por isso eu construí uma fortaleza, invisível, imperceptível, intocável, inacessível aos outros, e dentro dela, um local onde o meu eu verdadeiro ficava sempre escondido e protegido dos olhares e julgamentos alheios, um local sagrado, que não se abre facilmente aos curiosos de plantão.
Mas que quando se abre, expõe todos os meus segredos e mostra quem verdadeiramente sou.
Uma pessoa que vive em contradição com o mundo interno e com o mundo ao redor.
Já que mesmo cercado de amigos não consegue se abrir de verdade e nem deixa que os amigos se aproximem demais da entrada da fortaleza, e que por isso, vive só dentro de si mesmo.
Enche se de duvidas, de medos e de sentimentos, e guarda tudo pra si, e na angustia por algo novo, continua sempre absorvendo mais e mais.
E que por agir assim, acumula muito sofrimento, muito medo e muita desconfiança, não consegue confiar nem mesmo nos mais próximos, não consegue sequer dizer quanto desprezo tem por alguns, mas que também, não consegue se desfazer deles, que são uma espécie de cordão umbilical, que nutre essa curiosidade sem fim, essa vontade de absorver tudo.
Eu sei que não posso manter isso por muito tempo, e que isso me envenena a cada minuto, cada vez mais.
Nesse ritmo eu irei explodir, não há mais espaço pra tristeza, solidão e medos dentro dessa fortaleza.
Mas não encontro uma maneira para bombear esse veneno para fora, e cada dia absorvo mais e mais, como se fosse a primeira vez que provasse o seu sabor doce.
Sinto que eu vou entrar em colapso, tenho que agir rápido novamente.
Mas não sei o que fazer.
Essa sede, essa vontade de absorver tudo, é minha maior fraqueza e minha maior arma, quando usada no momento certo.
Preciso de uma espécie de filtro, para evitar que eu absorva e acumule mais veneno a cada dia.
Isso me faz forte e conseqüentemente me faz fraco.
No fundo eu não quero que as pessoas olhem em meus olhos e vejam o que sinto.
A minha fortaleza sempre teve boas janelas, com uma película que bloqueia tudo acontece dentro dela.
Mas que capta tudo ao seu redor como um radar super avançado.
Hoje o meu medo não é me machucar, tenho medo que comece a fazer o que realmente eu quero, porque agora eu sei que posso falar o que penso sobre as pessoas, mas para a sorte delas essa minha fortaleza agora tem outro papel, de proteger quem está ao meu redor, de um monstro que tenho dentro de mim.
Não sei quando me dei conta do que havia ocorrido comigo, tampouco sei se eu controlo o monstro ou se sou vitima de minha própria criação, um monstro.
Monstro esse que atende pelo meu nome e que compartilha esse corpo comigo."