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G. Pawlick

A Carcaça
Sobre a mesa a meia luz
meia vida ali servida.
Meia alma, meia coisa
na vazia cozinha, perdida.
Meio tudo que não é nada,
meia coisa indefinida.
Carne de músculo,
defumada à nicotina.
Carmim carcaça talhada
ao fio do verso que desatina,
que dilacera cego
quando com eu te amo termina.
Palavras férreas
de afiada rima
perdem o fio
perdem o clima
Emperra, dura, a lâmina
nos músculos inflamados:
Nós de nervos
nós de peito
nós de enfados
Nós de roupa!
Pelo cansaço domados.
Nós, dois trouxas,
podendo estar pelados
Pois agora estou desnudo,
veja bem:
exposto aos pedaços,
orelhas mãos barriga
pela angustia feita lima ao aço
coração fígado bexiga
propelido ao teu lado.
Joguei me por completo
pedaço por pedaço
e tua janela atravessei
encontrando meu espaço.
O resto dei aos cães.
Corte nobre já estragado
E sem restar nada me traguei,
traduzindo me a consumado.
Não sei qual fora a desatenção,
não sei ao que se deu o embaraço.
Vejo a mesa posta
mas não encontro teu regaço.
A antes janta exposta
de tua carne ali despida,
da agora lugar a aflição
ao silêncio da noite servida.
Aparece me justaposta
tua imagem adormecida.
Carne fria na noite
Longe de ser consumida.
Frigorífico de nosso quarto,
guarda a carne em tira,
amaciada ao martelo
seguindo o ritmo da rotina.
Resto de peito em infarto
com tua falta revira,
tal qual descontrolado cutelo
prorrogando a chacina.
Mas
do que me sobra em estilhaço
não há faca, não há aço
que possa para mim ser assassina,
Pois
compraz e arrebatado
meu peito sabe,
ainda que retalhado
que não há paixão perdida.
Que não há carne
que não possa ser reaquecida.