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Eduardo Galeano in "O livro dos abraços"

O sistema/1
Os funcionários não funcionam.
Os políticos falam mas não dizem.
Os votantes votam mas não escolhem.
Os meios de informação desinformam.
Os centros de ensino ensinam a ignorar.
Os juízes condenam as vítimas.
Os militares estão em guerra contra seus compatriotas.
Os policiais não combatem os crimes, porque estão ocupados cometendo os.
As bancarrotas são socializadas, os lucros são privatizados.
O dinheiro é mais livre que as pessoas.
As pessoas estão a serviço das coisas.
p.
129
Os índios são bobos, vagabundos, bêbados.
Mas o sistema que os despreza, despreza o que ignora, porque ignora o que teme.
Por trás da máscara do desprezo, aparece o pânico: estas vozes antigas, teimosamente vivas, o que dizem O que dizem quando falam O que dizem quando calam (Os índios/2, p.
132)
A televisão/2
A televisão mostra o que acontece
Em nossos países, a televisão mostra o que ela quer que aconteça; e nada acontece se a televisão não mostrar.
A televisão, essa última luz que te salva da solidão e da noite, é a realidade.
Porque a vida é um espetáculo: para os que se comportam bem, o sistema promete uma boa poltrona.
p.
149
Nós comemos emoções importadas como se fossem salsichas em lata, enquanto os jovens filhos da telev.isão, treinados para contemplar a vida em vez de fazê la, sacodem os ombros.
Os livros não precisam ser proibidos pela polícia: os preços já os proíbem.
(A televisão/3, p.
152)
Pela tela desfilam os eleitos e seus símbolos de poder.
O sistema, que edifica a pirâmide social escolhendo pelo avesso, recompensa pouca gente.
Eis aqui os premiados: são os usurários de boas unhas e os mercadores de dentes bons, os políticos de nariz crescente e os doutores de costas de borracha.
(A televisão/5, p.
155)

O crime perfeito
Em Londres, é assim: os aquecedores devolvem calor a troco das moedas que recebem.
Em pleno inverno alguns exilados latino americanos britavam de frio, sem nenhuma moeda para fazer funcionar a calefação de seu quarto.
Estavam com os olhos grudados no aquecedor, sem piscar.
Pareciam devotos perante o totem, em atitude de adoração; mas eram uns pobres náufragos meditando sobre a maneira de acabar com o Império Britânico.
Se pusessem moedas de lata ou papelão, o aquecedor funcionaria, mas o arrecadador encontraria as provas da infâmia.
O que fazer Se perguntavam os exilados.
O frio os fazia tremer como se estivessem com malária.
E nisso, um deles lançou um grito selvagem, que sacudiu os alicerces da civilização ocidental.
E assim nasceu a moeda de gelo, inventada por um pobre homem gelado.
Imediatamente, puseram mãos a obra.
Fizeram moldes de cera, que reproduziam perfeitamente as moedas britânicas; depois encheram os moldes de água e os meteram no congelador.
As moedas de gelo não deixavam pistas, porque o calor as evaporava.
E assim aquele apartamento de Londres converteu se numa praia do mar Caribe.
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181
E também nós tínhamos encontrado alegria naquela casa de repente amaldiçoada pelos ventos ruins, e a alegria tinha sabido ser mais poderosa que a dúvida e melhor que a memória, e por isso mesmo aquela casa entristecida, aquela casa barata e feia, num bairro barato e feio, era sagrada.
(A casa, p.
194)
E disse que dali para a frente era conosco, porque a sorte não ajuda quem não a ajuda a ajudar.
(O exorcismo, p.
196)
Os sonhos do fim do exílio/3
As lentes dos óculos tinham se quebrado, e as chaves tinham se perdido.
Ela buscava as chaves pela cidade inteira, às cegas, de joelhos, e quando finalmente as encontrava, as chaves diziam que não serviriam para abrir suas portas.
p.
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