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Cristina Corradi

A Minha Família
Um dia, pode acontecer de eu sofrer um acidente, um derrame, uma traumatismo craniano, e com isso vir a ter morte cerebral.
Se isto acontecer, significa que estou morta, mesmo que meu coração esteja batendo com o auxílio de máquinas e medicamentos. 
Então peço a vocês, minha amada família
Não sejam egoístas.
Não queiram que a dor da perda seja em vão.
Ao invés disso, doem meus olhos, minhas córneas.
Alguém que já não pode ver o por do sol, o rosto de seu filho, ou aquele que não pode ver o amor nos olhos de quem ama, poderá vir a enxergar através de meus olhos. 
Doem meu coração a uma pessoa cujo coração só causou intermináveis dores.
Meu coração é bom, vai levar bondade e amor aqueles que sofrem.
Doem meus rins para uma pessoa que depende de uma máquina para continuar a viver, dia após dia, tendo que se submeter à agonia de filtrar o sangue em uma máquina fria. 
Doem meus pulmões para uma pessoa que já não consegue sentir o cheiro das flores, por não poder respirar sem ajuda de oxigênio e medicamentos. 
Doem meu fígado para uma pessoa que sofre com sangramentos, que já não pode se alimentar normalmente e que às vezes entra em coma porque o seu fígado está doente.
Doem meu pâncreas para quem não pode sentir o gosto doce dos alimentos, e que, várias vezes ao dia, dependem de uma injeção de insulina para continuar a viver.
Doem minha pele para uma pessoa que perdeu parte da sua em um incêndio, e não tem como sentir o toque suave de uma mão amiga.
Nada disso vai me fazer falta.
Estou morta.
Não tem sentido deixar que meu corpo apodreça debaixo da terra, se tantas pessoas precisam dele, da doação de meus órgãos, para poder viver.
Não deixem que essas pessoas morram junto a mim por crenças, credos ou simplesmente egoísmo.
Milhares de pessoas aguardam na fila por um transplante.
Dentre essas milhares de pessoas, deve existir alguém que tenha o sangue compatível com o meu.
Sei que será dolorosa a espera de se encontrar aquele ou aqueles que poderão receber parte de mim.
E enquanto se define quem poderá ganhar o grande prêmio da vida através de minha morte, ficarei ligada aos aparelhos, para que meus órgãos se mantenham saudáveis para serem doados. 
Já estarei morta.
Se meu enterro vai ser agora ou daqui a uma semana, não importa.
O que importa é que ficarei muito feliz em poder ajudar alguém a viver através de mim.
Se vocês fizerem tudo isso que estou pedindo, viverei para sempre.

A Espera de Francisco
E mais uma vez Francisco abria a porta e caminhava, passando por entre os arbustos castigados pelo sol e parava debaixo de um cajueiro.
Mãos calejadas, passos curtos e já cansados.
Todos os dias, no mesmo horário.
O sol se pondo no horizonte.
Parado, fitava a estrada.
Em seu rosto marcado pelo tempo, uma esperança.
E lá ficava.
Sem dizer uma só palavra.
Com a primeira estrela, sentava se em um banco de madeira.
Em sua mente uma lembrança:
Pai! Estou voltando.
Enrolava um cigarro de palha.
Uma brisa suave lhe fazia companhia.
Lembranças Os primeiros passos Os sorrisos, os abraços A primeira namorada
Um aperto no peito, um nó na garganta.
Respirava fundo.
Nos olhos, lágrimas.
Seu único filho
Levanta se e trilhava o caminho de volta a casa.
Acendia o fogo e preparava um café.
Acomodava se em sua cama e adormecia.
Mais um dia se passava.
Mas neste dia, algo novo aconteceu.
Acordou com a voz do filho lhe chamando:
Pai, eu disse que voltaria.
Estou aqui! Que saudades! Me dê um abraço!
Francisco não se continha de tanta felicidade.
Levantou se da cama, abraçou o filho e foram caminhando até a estrada, mas desta vez, não parou debaixo do cajueiro, continuaram a caminhar pela estrada.
Na manhã seguinte, a casa de Francisco permanecia fechada.
Nem um som, nem um movimento, nada.
No final da tarde, ninguém via Francisco sentado em seu banco de madeira olhando para a estrada.
Isto não era comum.
Algo estava errado.
Então os vizinhos foram até a casa de Francisco, chamaram, mas nenhuma resposta.
Forçaram a porta e entraram.
No quarto, deitado na cama, encontraram Francisco, abraçado a foto do filho.
Francisco não mais respirava.
E em seu rosto, agora, um sorriso.