Clarice Lispector

Por enquanto há diálogo contigo.
Depois será monólogo.
Depois o silêncio.
Sei que haverá uma ordem.

Eu sei de muito pouco.
Mas tenho a meu favor tudo o que não sei e – por ser um campo virgem – está livre de preconceitos.
Tudo o que não sei é a minha parte maior e melhor: é minha largueza.
É com ela que eu compreenderia tudo.
Tudo o que eu não sei é que constitui a minha verdade.

Sei que as coisas são complicadas.
Mas ao mesmo tempo simples.
Elas se complicam à medida que se tem medo da simplicidade – porque essa simplicidade deseja o fato em si, a verdade.

Terei sempre apego pelo que vale a pena e desapego pelo que não quer valer.
Não sei viver de mentira.
Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma para sempre.

Fico tão assustada quando percebo que durante horas perdi minha formação humana.
Não sei se terei uma outra para substituir a perdida.

E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério.
Sou uma só.
( ) Sou um ser.
E deixo que você seja.
Isso lhe assusta Creio que sim.
Mas vale a pena.
Mesmo que doa.
Dói só no começo.

É que "quem sou eu " provoca necessidade.
É como satisfazer a necessidade Quem se indaga é incompleto.

Sou o abismo perdido entre o não ser e a escuridão.
Sou o desejo e alma, correndo nua na meia noite esquecida, procurando aquilo que não é, mas pode vir a ser; o verdadeiro anseio, a paixão.

Eu sou uma chama acesa! E rebrilho e rebrilho toda essa escuridão.
In: A Bela e a Fera

Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente!

Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor.

Mas eu sou uma chata que parece viver com medo de dizer as coisas claramente.

Escrevo muito simples e muito nu.
Por isso fere.
Sou uma paisagem cinzenta e azul.
Elevo me na fonte seca e na luz fria.

Quero pegar, sentir, tocar, ser.
E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério.
Sou uma só.
( ) Sou um ser.
E deixo que você seja.
Isso lhe assusta Creio que sim.
Mas vale a pena.

Não me prendo a nada que me defina.
Sou companhia, mas posso ser solidão;
tranquilidade e inconstância, pedra e coração.
Sou abraços, sorrisos, ânimos, bom humor, sarcasmo, preguiça e sono.
Música alta e silêncio.
Serei o que você quiser, mas só quando eu quiser.