Não digam que fui rebotalho,
que vivi à margem da vida.
Digam que eu procurava trabalho,
mas fui sempre preterida.
Digam ao povo brasileiro
que meu sonho era ser escritora,
mas eu não tinha dinheiro
para pagar uma editora.
As crianças ricas brincam nos jardins com seus brinquedos prediletos.
E as crianças pobres acompanham as mães a pedirem esmolas pelas ruas.
Que desigualdades tragicas e que brincadeira do destino.
Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita.
A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim.
E a favela é o quintal onde jogam os lixos.
A tontura da fome é pior do que a do álcool.
A tontura do álcool nos impele a cantar.
Mas a da fome nos faz tremer.
Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago.
Poeta, por que choras
Que triste melancolia.
É que minh’alma ignora
O esplendor da alegria.
Este sorriso que em mim emana,
A minha própria alma engana
Esquentei o arroz e os peixes e dei para os filhos.
Depois fui catar lenha.
Parece que vim ao mundo predestinada a catar.
Só não cato felicidade.
Um homem não há de gostar de uma mulher que não pode passar sem ler.
E que levanta para escrever.
E que deita com lápis e papel debaixo do travesseiro.
Por isso é que eu prefiro viver só para o meu ideal.
Minha mãe dizia que as exigências na vida nos obrigam a não escolher os polos.
Quem nasce no polo norte, se puder viver melhor no polo sul, então deve viajar para os locais onde a vida seja mais amena.
Fui ficando triste.
O mundo há de ser sempre assim: negro para aqui, negro, para ali.
E Deus gosta mais dos brancos do que dos negros.
Os brancos têm casas cobertas com telhas.
Se Deus não gosta de nós, por que é que nos fez nascer