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Carlos Drummond de Andrade

Alô, quem fala
Ninguém.
Quem fala é você que está perguntando quem fala.
Mas eu preciso saber com quem estou falando.
E eu preciso saber antes a quem estou respondendo.
Assim não dá.
Me faz o obséquio de dizer quem fala
Todo mundo fala, meu amigo, desde que não seja mudo.
Isso eu sei, não precisava me dizer como novidade.
Eu queria saber é quem está no aparelho.
Ah, sim.
No aparelho não está ninguém.
Como não está, se você está me respondendo
Eu estou fora do aparelho.
Dentro do aparelho não cabe ninguém.
Engraçadinho.
Então, quem está fora do aparelho
Agora melhorou.
Estou eu, para servi lo.
Não parece.
Se fosse para me servir já teria dito quem está falando.
Bem, nós dois estamos falando.
Eu de cá, você de lá.
E um não conhece o outro.
Se eu conhecesse não estava perguntando.
Você é muito perguntador.
Pois se fui eu que telefonei.
Não perguntei nem vou perguntar.
Não estou interessado em conhecer outras pessoas.
Mas podia estar interessado pelo menos em responder a quem telefonou.
Estou respondendo.
Pela última vez, cavalheiro, e em nome de Deus: quem fala
Pela última vez, e em nome da segurança, por que eu sou obrigado a dar esta informação a um desconhecido
Bolas!
Bolas digo eu.
Bolas e carambolas.
Por acaso você não pode dizer com quem deseja falar, para eu lhe responder se essa pessoa está ou não aqui, mora ou não mora neste endereço Vamos, diga de uma vez por todas: com quem deseja falar
Silêncio.
Vamos, diga: com quem deseja falar
Desculpe, a confusão é tanta que eu nem sei mais.
Esqueci.
Tchau!

Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.
Somos apenas uns homens
e a natureza traiu nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.
Refugiamo nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo.
Fazia frio em São Paulo
Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.
Fiquei com medo de ti,
meu companheiro moreno,
De nós, de vós: e de tudo.
Estou com medo da honra.
Assim nos criam burgueses,
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto
E se todos nós vivêssemos
Vem, harmonia do medo,
vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas.
Muletas
do homem só.
Ajudai nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala se.
Faremos casas de medo,
duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.
E com asas de prudência,
com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.
O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema; outras vidas.
Tenhamos o maior pavor,
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou os.
Estátuas sábias, adeus.
Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes
Fiéis herdeiros do medo,
eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo.