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Artur da Távola

DE UM OBSERVADOR
A mulher não é somente ela.
É também o seu clima.
Perfumes não são recomendáveis.
Melhor é o odor que se descobre, se possível de talco, banho recente ou capim cheiroso espalhado no armário.
Nada de voz aguda.
Respire bem e conseguirá um tom médio.
Cabelos molhados incentiva.
Mulher não deve ter certezas.
Atrapalha e atemoriza.
Bom mesmo é o ar de pode ser.
Melhor ainda é a eterna possibilidade de nos deixar com a impressão de estarmos revelando as verdadeiras descobertas.
Alguma dúvida não faz mal ao ar de interrogação.
Nada de muita jóia.
Aquele brinquinho de furar a orelha de criança ou mesmo orelha furada, sem o brinquinho, é recomendável.
Relógio, jamais de correia grossa.
Mas nada é tão belo quanto penugem na contramão.
Manja certos bracinhos lindos Pois penugem na contramão é aquela que vem descendo pelo braço e de repente muda direção.
Nuca e costas também a têm.
Nada de perfeições de corpo, de cara, nem de gênio.
Só de caráter.
Mulher mau caráter é tão raro quanto repulsivo.
O importante é mesmo ser algo errada de corpo ou de rosto.
Certos erros enlevam traços ou detalhes que isolados crescem, ganham o todo, saltam da mulher e chegam até nós.
Olhar em tom de súplica ajuda.
Suplicar atrapalha.
Mãos leves.
Calmas.
Mão de mulher está para nós como o surfe para a onda: por dentro e por cima, sendo levada e levando, roçando sem arranhar, arranhando sem machucar, sempre um pouco na frente.
Outra coisa: carinho tem hora.
Não hora marcada, porém adivinhada.
Nunca logo depois.
Rosto lavado de preferência.
Olhar de tristeza tão antiga quanto encarnações.
Lágrimas a postos.
Sempre.
Por favor, sem bronca com barriguinha ou descuido nosso.
Nada de exigências ascéticas ou dietéticas.
Mulher que se preza gosta mais de defeitos que de qualidades.
Mas por favor, nunca bata boca com vizinhos.
Fale de, porém não fale demais de empregadas, chefes, costureiras ou patrões.
Mulher deve falar como quem pede.
Pedir como quem ajuda, saber esperar.
Não pode ficar falando "eu acho".
E quando fumar jamais sugar o cigarro com força, aquelas tragadas que fazem um barulhinho quando o cigarro solta da boca.
Há uma virada de olho pelo canto e para baixo (o popular soslaio), altamente condenável.
Baixar os olhos é importante.
Olhar fixo também.
Não definir se o seu olhar é tédio ou mistério.
Mas se for tédio avise logo que a gente se manda.
Pudor é essencial.
Mas um pudor velado, revelado apenas na linguagem misteriosa e eloqüente do corpo, no jeito de se sentar, encolher se na cadeira, ou cruzar os pés.
Braços cruzados em ar de necessidade, de proteção pega muito bem.
Ser friorenta é necessário.
Gostar de pano na cabeça, saia leve e cabelo solto.
Se possível preferir o silêncio.
Se não, dê a bronca e não resmungue.
Gostar de eventuais pilequinhos.
Não de alcoolismo.
Gostar de beijo, gentileza e ser deixada cruzar a porta na frente.
pisar firme é importante.
Firme mas leve.
Andar de quem estudou balé e guardou distante influência ajuda muito.
Saber cruzar as pernas com pudor é fundamental.
Mulher não deve chegar, deve aparecer.
Não deve entrar e sim se aproximar.
Não deve mastigar, deve diluir.
Não deve engolir, deve sorver.
Mar tomar leite como criança é recomendável, segurando o copo com as duas mãos.
Mastigue as torradas sempre devagar, ponha pouca manteiga ou geléia no pão.
Se possível fale "douze" em vez de doze.
Ser daquelas que o sapato arrebenta na rua é bom.
Ser das que se abaixam para consertar, jamais.
"Vou botar esse cara nos eixos" é uma saudável disposição.
Tentar muitos anos sem conseguir e passar a vida inteira tentanto é uma gelada.
Gostar de chapéus é essencial.
Sardas e pintas ajudam muito.
Ar de brincadeira também.
deve dormir o mais encolhida possível.
E acordar solta, confiante no sono.
Nas viagens é essencial cuidar da gente.
E conseguir com discrição o que a timidez masculina inibe.
Goste de cores.
Entenda de silêncios.
Tenha sempre algo escondido.
Aprimore seus climas, sim, porque ser bela nada tem com ser bonita.
É muito mais.

Ser Diferente
Diferente não é quem pretenda ser.
Esse é um imitador do que ainda não foi imitado, nunca um ser diferente.
Diferente é quem foi dotado de alguns mais e de alguns menos em hora, momento e lugar errados para os outros que riem de inveja de não serem assim.
O diferente nunca é um chato.
Mas é sempre confundido por pessoas menos sensíveis e avisadas.
Supondo encontrar um chato onde está um diferente, talentos são rechaçados; vitórias, adiadas Esperanças, mortas.
Um diferente medroso, este sim, acaba transformando se num chato.
Chato é um diferente que não vingou.
Os diferentes muito inteligentes percebem porque os outros não os entendem.
Diferente que se preza entende o porquê de quem o agride.
O diferente paga sempre o preço de estar mesmo sem querer alterando algo, ameaçando rebanhos, carneiros e pastores.
O diferente suporta e digere a ira do irremediavelmente igual, a inveja do comum, o ódio do mediano.
O verdadeiro diferente sabe que nunca tem razão, mas que está sempre certo.
O diferente começa a sofrer cedo, já no primário, onde os demais, de mãos dadas, e até mesmo alguns adultos, por omissão, se unem para transformar o que é potencial em caricatura.
O que é percepção aguçada em: "puxa, fulano, COMO VOCÊ É COMPLICADO".
O que é o embrião de um estilo próprio em: "você não está vendo como todo mundo faz "
O diferente carrega desde cedo apelidos que acaba incorporando.
Só os diferentes mais fortes do que o mundo se transformaram nos seus grandes modificadores.
Diferente é o que vê mais longe do que o consenso.
O que sente antes mesmo dos demais começarem a perceber.
Diferente é o que se emociona enquanto todos em torno, agridem e gargalham.
É o que engorda mais um pouco; chora onde outros xingam; estuda onde outros burram.
Quer onde outros cansam.
Espera de onde já não vem.
Sonha entre realistas.
Concretiza entre sonhadores.
Fala de leite em reunião de bêbados.
Cria onde o hábito rotiniza.
Sofre onde os outros ganham.
Diferente é o que fica doendo onde a alegria impera.
Fala de amor no meio da guerra.
Deixa o adversário fazer o gol, porque gosta mais de jogar do que de ganhar.
Os diferentes aí estão: enfermos, paralíticos, machucados, inteligentes em excesso, bons demais para aquele cargo, excepcionais, narigudos, barrigudos, joelhudos, de pé grande, de roupas erradas, cheios de espinhas, de mumunha ou de malícia.
Alma dos diferentes é feita de uma luz além.
Sua estrela tem moradas deslumbrantes que eles guardam para os pouco capazes de os sentir e entender.
E nessas moradas estão tesouros da ternura humana.
De que só os diferentes são CAPAZES.

Grande parte (talvez a maioria) das pessoas procuram se por causa de diferenças complementares (que existem, e como! ) que depois crescerão até distanciá las.
Há uma percepção antecipada do que é falta, carência e insegurança nos nossos núcleos internos.
Procura se, então, quem tem ou parece ter o que nos falta.
No começo é ótimo.
Depois babau, embora haja relações que se baseiam a vida inteira nessas diferenças que se complementam.
A união entre duas pessoas quando não é amor, mas nele se camufla é a complementação de necessidades que, num dado momento da vida de cada um, parecem essenciais para a solução de suas dores, mágoas ou carências.
Amor é deveras confundido com "necessidades complementares".
O progresso interior ou amadurecimento de apenas um dos membros do par amoroso, torna ainda mais instável a relação porque dela retira o caráter complementar que a mantinha.
Dois espelhos, um defronte do outro, geram imagem infinita.
Um só espelho reflete apenas a imagem de quem se olha.
Olhar e ver o outro aplaca.
Olhar e apenas ver se é, para muitos, insuportável.
Quando a evolução de uma das pontas do par amoroso dá se de maneira
mais rápida que a da outra, esta não tem mais em quem projetar as suas ansiedades.
Uma parte já não aceita as cargas da outra, antes assimiladas por imaturidade, medo ou dependência econômica.
Aí o equilíbrio do par se abala.
Ou rompe.
Por evolução não se entenda apenas a intelectual.
Esta é importante,
porém não decisiva.
Numa pessoa, há vários núcleos internos que
podem ganhar graus ou ritmos evolutivos diversos: emocional, sexual,
profissional, espiritual, físico, econômico, político.
Somos seres variados, plurais.
Nossa arquitetura interior possui
elementos de vários estilos e escolas.
Englobamos e amealhamos,
tendências díspares, propostas diferentes em nossos vários núcleos interiores.
Assim, em nossa relação mais profunda, que é
a íntima, cada núcleo interior seja, intelectual, emocional, sexual, profissional, espiritual, econômico e político pode vir
a ter ritmos diversos de evolução.
Somos seres tão estranhos, que podemos passar por evoluções
intelectuais formidáveis e permanecer anos a fio estacionados ou
cristalizados em outro núcleo emocional.
Podemos evoluir emocional,
profissional e politicamente e permanecer estacionados sexualmente, e
repetir antigas, estacionárias ou primárias formas de exercício do
instinto sexual.
E assim por diante.
É muito difícil evoluir por igual
em todos os nossos núcleos interiores.
Por isso desandam tantos casos
de amor depois que se resolvem com a união das pessoas.