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Artur da Távola

As pessoas amam bem mais a expectativa do amor possível, que o amor propriamente dito.
Daí a intensidade dos impulsos bloqueados, os que estão impedidos de expansão e movimento na direção do objeto amado.
Os "grandes amores" da literatura são grandes, não por serem amores, mas por serem impossíveis.
Já os grandes amores da vida real só quem sente é que sabe.
A impossibilidade de dimensionar um impulso afetivo carrega de energia a fantasia.
E esta se encarrega de dar dimensão ao que o exercício da relação, talvez, tirasse.
Na paixão impossível só estão as projeções do que idealizamos, pretendemos ou não conseguimos viver em nosso cotidiano.
Daí ser fácil entender sua força, sua obsessiva presença na cabeça dos enamorados.
É por isso, aliás, que só é musa quem é inatingível.
Case se com a sua musa e acordará com uma jararaca Case se com quem ama e será feliz.
Quer se ver livre de uma paixão colossal Vá viver com a pessoa objeto da paixão (observem, por favor, que não estou usando a palavra amor).
Aliás, já está nos clássicos e, mesmo, antes destes, nos antigos: "A conquista enobrece e a posse avilta".
Ou, como dizia Goethe: "Nas batalhas da paixão, ganha aquele que foge".
Quantas vezes as relações humanas terminam ou se interrompem sem terem esgotado o potencial de possibilidades adivinhadas, intuídas, sentidas.
Aí, o que não se esgotou clama por vir à tona e, muitas vezes, ameaça ocupar (e às vezes ocupa, efetivamente) todo o "ego".
Não é por outra razão que o apaixonado é o maior dos egoístas.
Ao dedicar tudo ao objeto da paixão, está é alimentando a própria necessidade, seja de sofrimento, de idealização, de felicidade ou fantasia.
Entupido de impossibilidades, ele clama.
E a isso muitos chamam amor.
Mas amor é coisa muito diversa Amor não clama nem reclama: amor dá.

Quem É Amigo
Amigo é quem, conhecido ou não, vivo ou morto, nos faz pensar, agir ou se comportar no melhor de nós mesmos.
É quem potencializa esse material.
Não digo que laboremos sempre no pior de nós mesmos (algumas pessoas, sim) mas nem sempre podemos ser integrais para operar no melhor de nós.
Há que contar com algum elemento propiciador, uma afinidade, empatia, amor, um pouco de tudo isso.
E sempre que agimos no melhor de nós mesmos, melhoramos, é a mais terapêutica das atitudes, a mais catártica e a mais recompensadora.
Esta é a verdadeira amizade, a que transcende os encontros, os conhecimentos, o passado em comum, aventuras da juventude vividas junto.
Um escritor ou compositor morto há mais de cem anos pode ser o seu maior amigo.
Esse conceito de amizade, transcende aquele outro mais comum: a de que amigo é alguém com quem temos afinidade, alguma forma de amor não sexual, alguém com quem podemos contar no infortúnio, na tristeza, pobreza, doença ou desconsolo.
Claro que isso é também amizade, mas o sentido profundo desse sentimento desafiador chamado amizade é proveniente de pessoas, conhecidas ou não, distantes ou próximas, que nos levam ao melhor de nós.
E o que é o melhor de nós É algo que todos temos, em estado latente ou patente, desenvolvido ou atrofiado.
Mas temos.
E certas pessoas conseguem o milagre de potencializar esse melhor.
Sentimo nos, então, fundamente gratos e de certa maneira orgulhosos (no bom sentido da palavra) por poder exercitar o que temos de melhor.
Este melhor de nós contém sentimentos, palavras, talentos guardados, bondades exercidas ou não.
Amar, ao contrário do que se pensa, não perturba a visão que se tem do outro.
Ao contrário, aguça a, aprofunda a, aprimora a.
Faz nos ver melhor.
Também assim é a amizade, forma de especial de amor, capaz de ampliar a lucidez e os modos generosos e compreensivos de ver, sentir, perceber o outro e sobretudo se possível potencializar os seus melhores ângulos e sentimentos.
Somos todos seres carentes de ser vistos e considerados pelo melhor de nós.
A trivialidade, a superficialidade, as disputas inconscientes, a inveja, a onipotência, a doença da auto referência faz a maioria das pessoas transformar se em vítimas do próprio olhar restritivo.
E o olhar restritivo é sempre fruto da projeção que fazem (fazemos) nos demais, de problemas e partes que são nossas e não queremos ver.
E quantas vezes isso acontece entre pessoas que se dizem amigas.
Essas pessoas (que se dizem amigas), ignoram certas descobertas do velho Dr.
Freud e através de chistes passam o tempo a gozar o “amigo”, alardeando intimidade (onde às vezes há inveja) como prova de amizade.
O que não é.
Mesmo quando é
Se se quiser medir o tamanho de uma amizade, meça se a capacidade de perceber, sentir e potencializar o melhor do outro, porque somente essa atitude fará dele uma pessoa cada vez melhor e por isso merecedora da amizade que se lhe dedica.

AFINIDADE
A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais sutil,
delicado e penetrante dos sentimentos.
E o mais independente.
Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos,
as distâncias, as impossibilidades.
Quando há afinidade, qualquer reencontro
retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto
no exato ponto em que foi interrompido.
Afinidade é não haver tempo mediando a vida.
É uma vitória do adivinhado sobre o real.
Do subjetivo para o objetivo.
Do permanente sobre o passageiro.
Do básico sobre o superficial.
Ter afinidade é muito raro.
Mas quando existe não precisa de códigos
verbais para se manifestar.
Existia antes do conhecimento,
irradia durante e permanece depois que
as pessoas deixaram de estar juntas.
O que você tem dificuldade de expressar
a um não afim, sai simples e claro diante
de alguém com quem você tem afinidade.
Afinidade é ficar longe pensando parecido a
respeito dos mesmos fatos que impressionam comovem ou mobilizam.
É ficar conversando sem trocar palavras.
É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento
Afinidade é sentir com.
Nem sentir contra,
nem sentir para, nem sentir por.
Quanta gente ama loucamente,
mas sente contra o ser amado.
Quantos amam e sentem para o ser amado,
não para eles próprios.
Sentir com é não ter necessidade de explicar o que está sentindo.
É olhar e perceber.
É mais calar do que falar, ou, quando falar,
jamais explicar: apenas afirmar.
Afinidade é jamais sentir por.
Quem sente por, confunde afinidade com masoquismo.
Mas quem sente com, avalia sem se contaminar.
Compreende sem ocupar o lugar do outro.
Aceita para poder questionar.
Quem não tem afinidade, questiona por não aceitar.
Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças.
É conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas,
quanto das impossibilidades vividas.
Afinidade é retomar a relação no ponto em que
parou sem lamentar o tempo de separação.
Porque tempo e separação nunca existiram.
Foram apenas oportunidades dadas (tiradas) pela vida,
para que a maturação comum pudesse se dar.
E para que cada pessoa pudesse e possa ser,
cada vez mais a expressão do outro sob a
forma ampliada do eu individual aprimorado.

SABES RECEBER O AMOR
Do ponto de vista de quem recebe, o amor ganha contornos bem diferentes daqueles existentes do ponto de vista de quem dá.
E é tão raro o empate entre dar e receber! Há pessoas absolutamente incapazes de receber o amor.
Outras há que filtram o amor recebido segundo a sua maneira de ser, reduzindo (ou ampliando) o afeto ganho através de suas lentes (existenciais) de aumento ou diminuição.
Quem pode dizer com segurança que sabe avaliar o amor recebido Outras há, ainda, que só conseguem amar quando recebem amor, não admitindo dar sem receber.
Há, também, o tipo de pessoa que não dará (amor) jamais, pois só sabe receber.
E existe aquela outra que quer e precisa receber, porém não sabe o que fazer quando (e quanto) recebe e transforma se, então, numa carência viva a andar por aí, em todos despertando (por insuspeitadas habilidades) o desejo de algo lhe dar.
Receber o amor é como saber gastar (gostar ).
Já reparou que há pessoas que não sabem gastar Muitas sabem ganhar muito dinheiro, mas depois não o sabem gastar.
Receber o amor é como saber gastar (gastar o amor de quem lhe está dando).
É necessário fazer com que o investimento recebido renda frutos, juros e dividendos em que o recebe, para novos investimentos e lucros humanos.
Há quem o saiba fazer (ou seja, saiba receber).
Há quem não o saiba e gaste o (amor) recebido de uma só vez, sem qualquer noção do quanto custou para quem o deu.
O problema de receber o amor é fundamental, porque ele determina o prosseguimento ou não da doação.
O núcleo do problema está na forma pela qual cada pessoa recebe o amor, modelando o.
De que valerá um amor maior do que o mundo, se a forma pela qual se o recebe é diminuta Um amor de pequena estatura doado a alguém pode ser recebido como a dádiva suprema.
Será (soará), então, enorme!
Daí que amor está também, além de dar, em saber receber.
Saber receber, embora pareça passivo, é ativo.
Receber, se possível avaliando a intensidade com que é dado e, se for mais possível, ainda, retribuir na exata medida.
Saber receber é tão amar quanto doar um amor.
Se todos soubessem receber, não haveria a graça infinita dos desencontros do amor, geradores dos encontros.
Receber o amor é tão difícil quanto amar! É que amar desobriga e receber o amor parece que prende as pessoas, tutela as e aprisiona as quando deveria ser exatamente o contrário, pois saber receber é tão grandioso e difícil quanto saber dar.

Amor e Ódio
Tema antigo.
Ainda e sempre, ódio e amor, andam juntos através da facilidade através da qual o amor que não encontra resposta apodrece e vira veneno.
O que salva e o que eleva é constituído da mesma matéria que fermenta, apodrece e mata.
Qual será a química explicativa da transformação súbita do que era busca, procura, sentimento de proteção e dedicação em imediata deterioração e ódio
A química da transformação do afeto em raiva e da raiva em ação destrutiva, ainda não foi medida por nenhum laboratório da ciência.
Apenas pela literatura e pela dramaturgia.
Ou pelo jornalismo diariamente a espelhar os casos de amor terminados com a destruição de uma das partes.
A psicanálise também examina a questão.
E com profundidade.
Para ela, o mecanismo de auto destruição ou de destruição do próximo, já estava presente quando as pessoas resolveram se gostar.
O mecanismo destrutivo está, já presente, quando as pessoas fazem o que supõem ser uma escolha livre.
Não é escolha, diz a psicanálise: é o atendimento de uma pulsão inconsciente que faz adivinhar no parceiro as condições para o exercício dos impulsos mais fundos de destruição: ou a própria ou a do outro.
Assim diz a psicanálise.
Mas a questão continua de pé.
Se era amor, se era tanto, por que, diante da frustração ou da recusa de reciprocidade ele tem que virar ódio
Se é amor não pode nunca ser ódio, proclamarão em coro os humanistas e os cristãos.
Não era amor!
Quem ama e é rejeitado tem o impulso de ódio e de destruição.
É esse impulso (que às vezes pode durar apenas um segundo) que essas histórias populares percebem e ampliam, traduzindo o numa ação demorada, complexa, planejada, urdida.
O público adere porque aí encontra a forma mais simples de ver se ainda que através do outro; como na dramaturgia e na literatura.
Quem for capaz de conhecer o próprio impulso de ódio poderá talvez aplacá lo, ou diminuir o seu efeito destrutivo.
Quem for capaz de controlar o próprio impulso de ódio talvez até aproveite a energia que está dentro dele (como nas forças da natureza) canalizando a para obras e ações criadoras e positivas.
Quem for capaz de dirigir o próprio impulso de ódio, talvez despeje a força dele numa atividade artística ou empresarial, desviando a do objeto amado passível de ser destruído.
Tudo bem.
Magnífico que assim se faça, conforme o caso e conforme a pessoa! Terapêuticas e religiões (no fundo parecidas) aí estão a mostrar o sentido ético da vida e a importância de transformar a falibilidade e fraqueza humanas em objeto de meditação e de aprimoramento.

Minha criança
Peço licença para falar na minha criança, a que mora aqui dentro e não me abandonará jamais.
Talvez com a morte eu até regresse a ela.
Os quase setenta anos que dela me separam não a removem.
Ela ali está, magra e tímida, a me olhar e ditar comportamentos e reações.
Minha criança esteve em todos os meus filhos e aparece no meus sete netos.
Ela se refaz da morte da irmã e abre os olhos para o mundo, com a certeza de que veio ao mundo para alguma missão, embora sempre se considere inferior ao tamanho da mesma.
Minha criança sente enorme saudade de pai e da mãe com quem o adulto já não conta salvo no exemplo, na saudade e nas orações quando me domina uma fugidia sensação de estarem, incorpóreos, a meu lado, mas sem se manifestarem.
Minha criança possui incomensuráveis solidões diante do mistério do infinito.
Ainda recua diante do violento, embora não o tema, e ainda se infiltra em episódios de distração e inocência inexplicáveis num homem com minha carga de vivências.
Minha criança ainda gosta de abraço caloroso, proteções misteriosas e de um modo de rezar que o adulto nunca mais conseguiu tais a entrega e a total confiança no mistério e na proteção de Deus.
Minha criança carrega o melhor de mim, é portadora de meu modo triste de falar de coisas alegres e de algum susto misterioso sempre que se lhe impõe alguma expectativa d enfermidade.
Minha criança é inteira, mansa, bondosa e linda.
Eu a amo, preservo, e dou boas gargalhadas quando a vejo infiltrar se nas graves decisões de algumas de minhas responsabilidades adultas.
Ninguém a vê, salvo eu.
Ninguém a acaricia, salvo eu, que a estimo, procuro e admiro mais a cada dia e com quem converso histórias infinitas, que somente a imaginação pode conceber no universo maravilhoso da fabulação interior e solitária.
Diariamente passeio com minha criança e estou muito feliz por cumprimentá la, levar lhe balas, nuvens, aquele cão da meninice, as canções de minha mãe e os carinhos de meu pai, levar lhe os presentes que ganhava de meu padrinho e toda a enorme vontade de Ser que então adivinhava para a minha vida.
Vida que chegou, ameaça passar, e da qual não me arrependo.
Minha criança adivinhou em seus sonhos o adulto que eu queria ser.
E traz alegria e esperanças à minha idade atual.
Hoje sou, há muito tempo, o adulto que sonhei ser.
Talvez com menos tensões, mas igualzinho em meu modo de amar a vida.