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Antonio Prata

A gente não tem como saber se vai dar certo.
Talvez, lá adiante, haja uma mesa num restaurante, onde você mexerá o suco com o canudo, enquanto eu quebro uns palitos sobre o prato pequenas atividades às quais nos dedicaremos com inútil afinco, adiando o momento de dizer o que deve ser dito.
Talvez, lá adiante: mas entre o silêncio que pode estar nos esperando então e o presente você acabou de sair da minha casa, seu cheiro ainda surge vez ou outra pelo quarto –, quem sabe não seremos felizes Entre a concretude do beijo de cinco minutos atrás e a premonição do canudo girando no copo pode caber uma vida inteira.
Ou duas.
Passos improvisados de tango e risadas, no corredor do meu apartamento.
Uma festa cheia de amigos queridos, celebrando alguma coisa que não saberemos direito o que é, mas que deve ser celebrada.
Abraços, borrachudos, a primeira visão de seu necessaire (para que tanto creme, meu Deus ! ), respirações ofegantes, camarões, cafunés, banhos de mar – você me agarrando com as pernas e tapando o nariz, enquanto subimos e descemos com as ondas mãos dadas no cinema, uma poltrona verde e gorda comprada num antiquário, um tatu bola na grama de um sítio, algumas cidades domesticadas sob nossos pés, postais pregados com tachinhas no mural da cozinha e garrafas vazias num canto da área de serviço.
Então, numa manhã, enquanto leio o jornal, te verei escovando os dentes e andando pela casa, dessa maneira aplicada e displicente que você tem de escovar os dentes e andar ao mesmo tempo e saberei, com a grandiosa certeza que surge das pequenas descobertas, que sou feliz.
Talvez, céus nublados e pancadas esparsas nos esperem mais adiante.
Silêncios onde deveria haver palavras, palavras onde poderia haver carinho, batidas de frente, gritos até.
Depois faremos as pazes.
Ou não
Tudo que sabemos agora é que eu te quero, você me quer e temos todo o tempo e o espaço diante de nossos narizes para fazer disso o melhor que pudermos.
Se tivermos cuidado e sorte – sobretudo, talvez, sorte quem sabe, dê certo Não é fácil.
Tampouco impossível.
E se existe essa centelha quase palpável, essa esperança intensa que chamamos de amor, então não há nada mais sensato a fazer do que soltarmos as mãos dos trapézios, perdermos a frágil segurança de nossas solidões e nos enlaçarmos em pleno ar.
Talvez nos esborrachemos.
Talvez saiamos voando.
Não temos como saber se vai dar certo o verdadeiro encontro só se dá ao tirarmos os pés do chão , mas a vida não tem nenhum sentido se não for para dar o salto.

Eu juro
Olhe, não fique assim não vai passar.
Eu sei que dói.
É horrível.
Eu sei que parece que você não vai agüentar, mas agüenta.
Sei que parece que vai explodir, mas não explode.
Sei que dá vontade de abrir um zíper nas costas e sair do corpo porque dentro da gente, nesse momento, não é um bom lugar para se estar.
Dor é assim mesmo, arde, depois passa.
Que bom.
Aliás, a vida é assim: arde, depois passa.
Que pena.
A gente acha que não vai agüentar, mas agüenta: as dores da vida.
Pense assim: agora tá insuportável, agora você queria abrir o zíper, sair do corpo, encarnar numa samambaia, virar um paralelepípedo ou qualquer coisa inanimada, anestesiada, silenciosa.
Mas agora já passou.
Agora já é dez segundos depois da frase passada.
Sua dor já é dez segundos menor do que duas linhas atrás.
Você acha que não porque esperar a dor passar é como olhar um transatlântico no horizonte estando na praia.
Ele parece parado, mas aí você desvia o olho, toma um picolé, lê uma revista, dá um pulo no mar e quando vai ver o barco já tá lá longe.
A sua dor agora, essa fogueira na sua barriga, essa sensação de que pegaram sua traqueia e seu estômago e torceram como uma toalha molhada, isso tudo é difícil de acreditar, eu sei vai virar só uma memória, um pequeno ponto negro diluído num imenso mar de memórias.
Levante se daí, vá tomar um picolé, ler uma revista, dar um pulo no mar.
Quando você for ver, passou.
Agora não dá mesmo pra ser feliz.
É impossível.
Mas quem disse que a gente deve ser feliz sempre Isso é bobagem.
"É melhor viver do que ser feliz".
Porque pra viver de verdade a gente tem que quebrar a cara.
Tem que tentar e não conseguir.
Achar que vai dar e ver que não deu.
Querer muito e não alcançar.
Ter e perder.
Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e dizer uma coisa terrível, mas que tem que ser dita.
Tem que ter coragem de olhar no fundo dos olhos de alguém que a gente ama e ouvir uma coisa terrível, que tem que ser ouvida.
A vida é incontornável.
A gente perde, leva porrada, é passado pra trás, cai.
Dói, ai, eu sei como dói.
Mas passa.
Está vendo a felicidade ali na frente Não, você não está vendo, porque tem uma montanha de dor na frente.
Continue andando.
Você vai subir, vai sentir frio lá em cima, cansaço.
Vai querer desistir, mas não vai desistir, porque você é forte e porque depois do topo a montanha começa a diminuir e o único jeito de deixá la pra trás é continuar andando.
Você vai ser feliz.
Está vendo essa dor que agora samba no seu peito de salto de agulha Você ainda vai olhá la no fundo dos olhos e rir da cara dela.
Juro que estou falando a verdade.
Eu não minto.
Vai passar.

Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso frequento bares meio ruins.
Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de cento e cinqüenta anos.
(Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de cento e cinqüenta anos, mas tudo bem).
No bar ruim que ando frequentando ultimamente o proletariado atende por Betão – é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar “amigos” do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.
– Ô Betão, traz mais uma pra a gente – eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à passarinho ou carne de sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais da nossa cozinha.
Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gâteau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado.
Não é qualquer Brasil.
Assim como não é qualquer bar ruim.
Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne de sol, uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida.
Quando um de nós, meio intelectual, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectuais, meio de esquerda, freqüenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.
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Os donos dos bares ruins que a gente frequenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem.
Os que entendem percebem qual é a nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam cinqüenta por cento o preço de tudo.
(Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato).
Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae.
Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raiz.