Papo pro analista:
Eu mesma me machuco pra eu mesma me curar.
Eu ando por aí aumentando o volume de tudo.
Aumento o volume do frio, da fome, do sono, da dor, da saudade, da sujeira no pé, da roupa furada, da cama desfeita, da louça na pia, da geladeira vazia, da toalha molhada, das lâmpadas queimadas.
Aumento o volume que é pra criar uma espécie de dimmer da minha prórpia vida.
Como se eu pudesse amplificar tudo o que me espeta pra, depois, eu mesma diminuir.
Como se, aumentando tudo, eu criasse, automaticamente, o controle de reduzir o ruído que alfineta em mim.
É, eu sei.
É uma pequena ilusão de poder que eu criei para me sentir um pouco rei de tudo que me machuca.
Se você me machuca, eu arrebetendo a ferida, a estico por todos os cantos, jogo pimenta e belisco a carne com alicate sem fio.
Depois eu cuido de fazer as suturas e acredito estar cuidando de um estrago que eu mesma orquestrei.
Às vezes, por falta do que cuidar, nesse meu vício de auto tortura, me ponho a te machucar, gratuitamente, para que talhos e fraturas expostas se abram em mim como faz um terremoto ao rasgar o chão do mundo.
E depois, talhos e fraturas expostas, o deleite de remendar, ritualísticamente, cada um deles.
Desde muito pequena, eu mesma me torturo para eu mesma de curar.
Me torturo pra fazer canções; me torturo pra chorar e combinar com uma noite de chuva; me torturo pra me consolar; me torturo para eu ser e mais ninguém o carrasco a me maltratar.
Me torturo pra ninguém me machucar.
E pra ninguém vir me curar.
Faço tudo sozinha.
Sofro tudo sozinha.
Conforto tudo sozinha.
Mas, hoje, eu me pergunto: e esse carrasco que eu cuidei de criar pendurado em mim Eu que tenho ele ou é ele que me tem Dá jeito da gente se desgrudar