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Ana Jácomo

Procure me amar quando eu menos merecer, porque é quando eu mais preciso
Falamos à beça de amor.
Apesar das nossas singularidades, temos pelo menos esse desejo em comum: queremos amar e ser amados.
Amados, de preferência, com o requinte da incondicionalidade.
Na celebração das nossas conquistas e na constatação dos nossos fracassos.
No apogeu do nosso vigor e no tempo do nosso abatimento.
No momento da nossa alegria e no alvorecer da nossa dor.
Na prática das nossas virtudes e no embaraço das nossas falhas.
Mas não é preciso viver muito para percebermos nos nossos gestos e nos alheios que não é assim que costuma acontecer.
Temos facilidade para amar o outro nos seus tempos de harmonia.
Quando realiza.
Quando progride.
Quando sua vida está organizada e seu coração está contente.
Quando não há inabilidade alguma na nossa relação.
Quando ele não nos desconcerta.
Quando não denuncia a nossa própria limitação.
A nossa própria confusão.
A nossa própria dor.
Fácil amar o outro aparentemente pronto.
Aparentemente inteiro.
Aparentemente estável.
Que quando sofre não faz ruído algum.
Fácil amar aqueles que parecem ter criado, ao longo da vida, um tipo de máscara que lhes permite ter a mesma cara quando o time ganha e quando o cachorro morre.
Fácil amar quem não demonstra experimentar aqueles sentimentos que parecem politicamente incorretos nos outros, embora costumem ser justificáveis em nós.
Fácil amar quando somos ouvidos mais do que nos permitimos ouvir.
Fácil amar aqueles que vivem noites terríveis, mas na manhã seguinte se apresentam sem olheiras, a maquiagem perfeita, a barba atualizada.
É fácil amar o outro na mesa de bar, quando o papo é leve, o riso é farto, e o chope é gelado.
Nos cafés, após o cinema, quando se pode filosofar sobre o enredo e as personagens com fluência, um bom cappuccino e pão de queijo quentinho.
Nos corredores dos shoppings, quando se divide os novos sonhos de consumo, imediato ou futuro.
É fácil amar o outro nas férias de verão, no churrasco de domingo, nos encontros erotizados, nas festas agendadas no calendário do de vez em quando.
Difícil é amar quando o outro desaba.
Quando não acredita em mais nada.
E entende tudo errado.
E paralisa.
E se vitimiza.
E perde o charme.
O prazo.
A identidade.
E fala o tempo todo do seu drama com a mesma mágoa.
Difícil amar quando o outro fica cada vez mais diferente do que habitualmente ele se mostra ou mais parecido com alguém que não aceitamos que ele esteja.
Difícil é permanecer ao seu lado quando parece que todos já foram embora.
Quando as cortinas se abrem e ele não vê mais ninguém na plateia.
Quando até a própria alma parece haver se retirado.
Difícil é amar quando já não encontramos motivos que justifiquem o nosso amor, acostumados que estamos a achar que o amor precisa estar sempre acompanhado de explicação.
Difícil amar quando parece existir somente apesar de.
Quando a dor do outro é tão intensa que a gente não sabe o que fazer para ajudar.
Quando a sombra se revela e a noite se apresenta muito longa.
Quando o frio é tão medonho que nem os prazeres mais legítimos oferecem algum calor.
Quando ele parece ter desistido principalmente dele próprio.
Difícil é amar quando o outro nos inquieta.
Quando os seus medos denunciam os nossos e põem em risco o propósito que muitas vezes alimentamos de não demonstrar fragilidade.
Quando a exibição das suas dores expõe, de alguma forma, também as nossas, as conhecidas e as anônimas.
Quando o seu pedido de ajuda, verbalizado ou não, exige que a gente saia do nosso egoísmo, do nosso sossego, da nossa rigidez, para caminhar ao seu encontro.
Difícil é amar quando o outro repete o filme incontáveis vezes e a gente não aguenta mais a trilha sonora.
Quando se enreda nos vícios da forma mais grosseira e caminha pela vida como uma estrela doída que ignora o próprio brilho.
Quando se tranca na própria tristeza com o aparente conforto de quem passa um feriadão à beira mar.
Quando sua autoestima chega a um nível tão lastimável que, com sutileza ou não, afasta as pessoas que acreditam nele.
Quando parece que nós também estamos incluídos nesse grupo.
Difícil é amar quem não está se amando.
Mas esse talvez seja o tempo em que o outro mais precise se sentir amado.
Para entender, basta abrirmos os olhos para dentro e lembrar das fases em que, por mais que quiséssemos, também não conseguíamos nos amar.
A empatia pode ser uma grande aliada do amor.

Eu estava triste, o coração apertadinho, o tempo chuvoso no rosto.
O pensamento andando em círculos em torno de um único ponto.
Na berlinda, um daqueles problemas que a gente precisa resolver, mas não tem a mínima ideia de como.
Daquele tipo espaçoso, metido à besta, que diz ser maior do que nós e a gente quase acredita.
Todo mundo se depara com um mentiroso desses, de vez em quando.
Eles não são seletivos, batem em tudo o que é porta.
Astutos, encontram um jeito para entrar mesmo quando tentamos impedir.
Alguns nem são novos como o impacto do desconforto faz parecer.
Reaparecem, de tempos em tempos, com novidades da versão atualizada do seu programa.
Novidades que, às vezes, tornam um pouco mais complicado o que já era difícil.
Eu estava lá há um tempão, olhando para o dito cujo, assustada como um passarinho que se flagra num alçapão.
Não conseguia ver um fiapo que fosse de outra coisa qualquer além dele.
Problema espaçoso, metido à besta, é assim: se a gente lhe der muita confiança, ele monopoliza o tempo do nosso olhar sem nenhum constrangimento.
Mas, de repente, eu cansei do cativeiro.
Da tristeza.
Do aperto.
Da chuva no rosto.
Por algum lampejo de lucidez, percebi que nada daquilo me ajudaria a solucioná lo naquele momento, embora fosse o que eu mais quisesse.
Só se o gênio da lâmpada aparecesse ali e me concedesse um pedido, mas como a lâmpada mais próxima ficava no lustre, desconfiei não poder contar com aquela alternativa.
Foi aí que peguei meu violão.
Comecei a tocar meio desanimada, cantarolando uma música aqui, outra ali, a voz ainda atrapalhada pelos respingos da tristeza, mas sem me importar com o detalhe de não saber tocar nem cantar de verdade.
Depois de alguns minutos, envolvida com a brincadeira, eu já não sentia tão intensamente o peso do tal problema, aquele que eu não poderia resolver de uma hora pra outra.
Não demorou para que o meu coração ficasse mais solto e o tempo chuvoso me desse uma trégua.
Não foi mágica, apenas uma mudança consciente de foco.
Troquei de canal para levar minha vida pra passear um pouco.
Para soprar algumas nuvens.
Para respirar melhor.
Ao permitir que o pensamento se dissipasse, abri espaço para mudar meu sentimento.
O problema continuava no mesmo lugar; eu, não.
Nós nos encontraríamos outras tantas vezes até que eu pudesse solucioná lo, mas eu não precisava ficar morando com ele enquanto isso.
Os pensamentos preparam armadilhas pra gente.
Ao cairmos nelas, nos enredamos de tal maneira que esquecemos ser capazes de sair de lá.
A vastidão da nossa alma fica reduzida a um cubículo, como se não tivesse espaço suficiente para abrigar uma variedade de sentimentos.
Passamos a nos comportar como se tivéssemos apenas um lápis de cor e não a caixa inteira.
Nós nos apegamos a alguns pensamentos e lhes conferimos exclusividade.
Nós lhes damos o cetro e a coroa e afirmamos o seu poder sobre as nossas emoções.
Ficamos presos neles, feito passarinho quando cai no alçapão.
A diferença é que, por mais que tente, ele não pode sair de lá sozinho, ao contrário de nós.
Passarinho tem asas do lado de fora.
A gente, do lado de dentro.