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Carlos Drummond de Andrade

Lira do amor romântico
Ou a eterna repetição
Atirei um limão n’água
e fiquei vendo na margem.
Os peixinhos responderam:
Quem tem amor tem coragem.
Atirei um limão n’água
e caiu enviesado.
Ouvi um peixe dizer:
Melhor é o beijo roubado.
Atirei um limão n’água,
como faço todo ano.
Senti que os peixes diziam:
Todo amor vive de engano.
Atirei um limão n’água,
como um vidro de perfume.
Em coro os peixes disseram:
Joga fora teu ciúme.
Atirei um limão n’água
mas perdi a direção.
Os peixes, rindo, notaram:
Quanto dói uma paixão!
Atirei um limão n’água,
ele afundou um barquinho.
Não se espantaram os peixes:
faltava me o teu carinho.
Atirei um limão n’água,
o rio logo amargou.
Os peixinhos repetiram:
É dor de quem muito amou.
Atirei um limão n’água,
o rio ficou vermelho
e cada peixinho viu
meu coração num espelho.
Atirei um limão n’água
mas depois me arrependi.
Cada peixinho assustado
me lembra o que já sofri.
Atirei um limão n’água,
antes não tivesse feito.
Os peixinhos me acusaram
de amar com falta de jeito.
Atirei um limão n’água,
fez se logo um burburinho.
Nenhum peixe me avisou
da pedra no meu caminho.
Atirei um limão n’água,
de tão baixo ele boiou.
Comenta o peixe mais velho:
Infeliz quem não amou.
Atirei um limão n’água,
antes atirasse a vida.
Iria viver com os peixes
a minh’alma dolorida.
Atirei um limão n’água,
pedindo à água que o arraste.
Até os peixes choraram
porque tu me abandonaste.
Atirei um limão n’água.
Foi tamanho o rebuliço
que os peixinhos protestaram:
Se é amor, deixa disso.
Atirei um limão n’água,
não fez o menor ruído.
Se os peixes nada disseram,
tu me terás esquecido
Atirei um limão n’água,
caiu certeiro: zás trás.
Bem me avisou um peixinho:
Fui passado pra trás.
Atirei um limão n’água,
de clara ficou escura.
Até os peixes já sabem:
você não ama: tortura.
Atirei um limão n’água
e caí n’água também,
pois os peixes me avisaram,
que lá estava meu bem.
Atirei um limão n’água,
foi levado na corrente.
Senti que os peixes diziam:
Hás de amar eternamente.