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Rosana Pereira Montoto

Resenha
E porque a vida desfez o último fio, era tarde para tentar desmembrá la, e era tarde para se compreender os enigmas.
E porque a vida desfez os últimos fios, ficou apenas a lembrança guardada na caixa azul de fitas amarelas.
No entanto, havia o desejo de tocar as mãos, de sentir dos lábios as palavras soltas, perdidas, sem nenhum compromisso de entendimento, de compreensão.
E o silêncio a roçar a face e a dizer banalidades.
Nada mais é banal.
Agora tudo é muito sério.
O último fio a se desprender da janela.
E do peitoril não mais ouvir os pássaros, nem alimentá los com a falsa promessa das migalhas de pães.
Nada! .
O ensurdecedor se fez barulho e o grito soou nas esquinas.
Ninguém quis ouvir.
Havia outros sons perdidos, virando estradas, se perdendo por ai.
E havia a vida a desfazer os últimos fios, a trocar segurança por interrogações.
Nenhum passo seguro que pudesse decidir caminhos.
E a lágrima que não mais precisou cair.
Ficou enroscada no peitoril da janela, nos sons monossílabos e minúsculos dos pássaros que preparavam seus vôos de regresso.
E porque era o último fio, não mais precisava segurar o sonho, nem se agarrar à realidade.
Bastava deixar a asa de cera estendida ao sol para que se derretesse e levasse com ela a esperança do alcance, da imensidão, do espaço azul coroado de nuvens sem formas.
Nunca mais houve o calor de um abraço, nem a alegria de um encontro.
Tudo se fez tão pouco, quase imperceptível.
E porque a vida desfez os últimos fios, já não bastava cruzar as mãos, mas sim esticá las ao máximo, para tocar o intocável, o inanalisável.
E porque as mãos não mais desejaram o toque, a amplidão de tudo se fez.
E não houve despedidas, nem mesmo pássaros voando, nem mesmo uma lágrima a cair da face.
Nada.
Apenas alguns olhos se olhando, balbucios de palavras que o próprio tempo se encarregou de explicar.