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Martha Medeiros

As boazinhas que me perdoem
Qual o elogio que uma mulher adora receber Bom, se você está com tempo, pode se listar aqui uns 700: mulher adora que verbalizem seus atributos, sejam eles físicos ou morais.
Diga que ela é uma mulher inteligente, e ela irá com a sua cara.
Diga que ela tem um ótimo caráter e um corpo que é uma provocação, e ela decorará o seu número.
Fale do seu olhar, da sua pele, do seu sorriso, da sua presença de espírito, da sua aura de mistério, de como ela tem classe: ela achará você muito observador e lhe dará uma cópia da chave de casa.
Mas não pense que o jogo está ganho: manter o cargo vai depender da sua perspicácia para encontrar novas qualidades nessa mulher poderosa, absoluta.
Diga que ela cozinha melhor que a sua mãe, que ela tem uma voz que faz você pensar obscenidades, que ela é um avião no mundo dos negócios.
Fale sobre sua competência, seu senso de oportunidade, seu bom gosto musical.
Agora quer ver o mundo cair Diga que ela é muito boazinha.
Descreva uma mulher boazinha.
Voz fina, roupas pastéis, calçados rente ao chão.
Aceita encomendas de doces, contribui para a igreja, cuida dos sobrinhos nos finais de semana.
Disponível, serena, previsível, nunca foi vista negando um favor.
Nunca teve um chilique.
Nunca colocou os pés num show de rock.
É queridinha.
Pequeninha.
Educadinha.
Enfim, uma mulher boazinha.
Fomos boazinhas por séculos.
Engolíamos tudo e fingíamos não ver nada, ceguinhas.
Vivíamos no nosso mundinho, rodeadas de panelinhas e nenezinhos.
A vida feminina era esse frege: bordados, paredes brancas, crucifixo em cima da cama, tudo certinho.
Passamos um tempão assim, comportadinhas, enquanto íamos alimentando um desejo incontrolável de virar a mesa.
Quietinhas, mas inquietas.
Até que chegou o dia em que deixamos de ser as coitadinhas.
Ninguém mais fala em namoradinhas do Brasil: somos atrizes, estrelas, profissionais.
Adolescentes não são mais brotinhos: são garotas da geração teen.
Ser chamada de patricinha é ofensa mortal.
Quem gosta de diminutivos, definha.
Ser boazinha não tem nada a ver com ser generosa.
Ser boa é bom, ser boazinha é péssimo.
As boazinhas não têm defeitos.
Não têm atitude.
Conformam se com a coadjuvância.
PH neutro.
Ser chamada de boazinha, mesmo com a melhor das intenções, é o pior dos desaforos.
Mulheres bacanas, complicadas, batalhadoras, persistentes, ciumentas, apressadas, é isso que somos hoje.
Merecemos adjetivos velozes, produtivos, enigmáticos.
As “inhas” não moram mais aqui.
Foram para o espaço, sozinhas.

VELHOS AMIGOS, NOVOS AMIGOS
Quem é seu melhor amigo(a) Deixe ver se adivinho: estuda na mesma escola ou cursinho, tem a mesma idade (talvez um ano a mais ou a menos), freqüenta o mesmo clube ou a mesma praia.
Se errei, foi por pouco.
Não é vidência: minha melhor amiga também foi minha colega tanto na escola quanto na faculdade e nascemos no mesmo ano.
São amizades extremamente salutares, pois podemos dividir com eles angústias e alegrias próprias do momento que se está vivendo.
Mas fique esperto.
Fechar a porta para pessoas diferentes de você é sinal de inteligência precária.
Durante a adolescência, é vital repartir nossas experiências com pessoas que pensem como nós e que tenham o mesmo pique: é importante sentir se incluído num grupo, de pertencer a uma turma.
Perde se, no entanto, o convívio com pessoas de outras idades e de outros "planetas", que muito poderiam lapidar a nossa visão de mundo.
Entre iguais, tudo é igual.
A vida ganha movimento é na diferença.
Se você é rato de biblioteca, iria se divertir ouvindo as histórias contadas por um alpinista experiente.
Se você tem muita grana, ficaria surpreso em saber como dá duro o cara que trabalha de
dia para poder estudar à noite e o quanto ele precisa economizar para tomar dois chopes no sábado.
Se você curte música, seria bacana conversar com quem curte teatro.
Se você é derrotista, seria uma boa bater um papo com quem já sofreu de verdade.
Você, que se acha uma velha aos 27 anos, iria se divertir muito com os relatos de uma cinquentona irada.
E você, beirando os 60, se surpreenderia com a maturidade de um garoto de 18.
Para os de meia idade, nada melhor do que ter amigos nos dois extremos: da garotada que lhe arrasta para dançar até aqueles que estão numa marcha mais lenta, que já viveram de tudo e de tudo podem falar.
A cabeça da gente comporta rafting e música lírica, videoclipes e dança flamenca, ficar com alguém por uma noite e ficar para sempre.
É importante cultivar afinidades, mas as desafinações ensinam bastante.
No mínimo, nos fazem dar boas risadas.
Vale amizade com executivo e com office boy, com solteiros e casados, meninas e mulheraços, gente que torce para outro time e vota em outro partido.
Vale sempre que houver troca.
Vale inclusive pai e mãe.