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Artur da Távola

AQUELE AMOR
Ela pertence à espécie de mulheres que possuem um só amor em toda a sua vida.
Ou amam de verdade apenas uma vez.
Seria espécie de mulheres ou a maioria assim o é, mesmo sem o saber
Também há homens de eterno amor, embora o machismo e as deformações de sua cultura e comportamento nem sempre os convença de tal.
Ou não convença a maioria.
Ou será que o fato de serem colocadores de semente por determinismo biológico os leva a não prestar a devida atenção à sua destinação para o amor
No meio da conversa ela diz, de repente, que só gostou de verdade de um homem e eis que vai buscar lá entre papéis amassados, daqueles que esturricam o couro das carteiras, não um mas três retratos dele, que espalha, qual cartas de baralho, sobre a mesa do restaurante.
E fala dele com a mistura de ternura e tristeza que assaltam as mulheres que não lograram viver com o seu amor, casar se com ele, ter seus filhos, viver em função dele e dela, unidos, pois esta é a verdadeira vontade e destinação da mulher: viver ao lado do verdadeiro amor.
Sim, elas vivem de modo proibido se necessário, casam se com outro, têm filhos, os amam fundamente, mas a verdade de seu ser é a do amor verdadeiro, até porque mulher vive para amar e por amor, o resto se ajeita.
Podem até deixar seu amor dormitar por anos e parecer serenado.
Volta, porém a qualquer apelo ou menção do nome dele, encontro fortuito na rua com um conhecido dos tempos do namoro ou da relação.
Como são comoventes e lindas na sua integralidade bíblica as mulheres quando expressam para os demais ou para si mesmas, o amor de suas vidas ou quando consultam, escondido, os retratos guardados, recortes, flores secas, a memória úmida das restantes lembranças em momentos de silêncio e solidão!
Abençoados sejam, porque são, os homens e as mulheres que na passagem por esta vida receberam um dia de alguém, ou deram, um amor único, original e definitivo.
Abençoados sejam e para todo o sempre.
Como o amor que existe apesar de todas as ternas e dolorosas circunstâncias que não impedem a sua verdade mas em muitos casos esmagam a sua plena realização.

Talvez seja tão simples, tolo e natural que você nunca tenha parado para pensar: aprenda a fazer bonito o seu amor.
Ou fazer o seu amor ser ou ficar bonito.
Aprenda, apenas, a tão difícil arte de amar bonito.
Gostar é tão fácil que ninguém aceita aprender.
Tenho visto muito amor por aí, amores mesmo, bravios, gigantescos, descomunais, profundos, sinceros, cheios de entrega, doação e dádiva, mas esbarram na dificuldade de se tornar bonito.
Apenas isso: bonitos, belos ou embelezados, tratados com carinho, cuidado e atenção.
Amores levados com arte e ternura de mãos jardineiras.
Aí esses amores que são verdadeiros, eternos e descomunais de repente se percebeu ameaçados apenas e tão somente porque não sabem ser bonitos: cobram; exigem; rotinizam; descuidam; reclamam; deixam de compreender; necessitam mais do que oferecem; precisam mais do que atendem; enchem se de razões.
Sim, de razões.
Ter razão é o maior perigo no amor.
Quem tem razão sempre se sente no direito (e o tem) de reivindicar, de exigir justiça, equidade, equiparação, sem atinar que o que está sem razão talvez passe por um momento de sua vida no qual não possa ter razão.
Nem queira.
Ter razão é um perigo: em geral enfeia o amor, pois é invocado com justiça mas na hora errada.
Amar bonito é saber a hora de ter razão.
Ponha a mão na consciência.
Você tem certeza que está fazendo o seu amor bonito
De que está tirando do gesto, da ação, da reação, do olhar, da saudade, da alegria do encontro, da dor do desencontro, a maior beleza possível Talvez não.
Cheio ou cheia de razões, você espera do amor apenas aquilo que é exigido por suas partes necessitadas, quando talvez dele devesse pouco esperar, para valorizar melhor tudo de bom que de vez em quando ele pode trazer.
Quem espera mais do que isso sofre, e sofrendo deixa de amar bonito.
Sofrendo, deixa de ser alegre, igual criança.
E sem soltar a criança, nenhum amor é bonito.
Não tema o romantismo.
Derrube as cercas da opinião alheia.
Faça coroas de margaridas e enfeite a cabeça de quem você ama.
Saia cantando e olhe alegre.
Recomendam se: encabulamentos; ser pego em flagrante gostando; não se cansar de olhar, e olhar; não atrapalhar a convivência com teorizações; adiar sempre, se possível com beijos, “aquela conversa importante que precisamos ter”, arquivar se possível, as reclamações pela pouca atenção recebida.
Para quem ama toda atenção é sempre pouca.
Quem ama feio não sabe que pouca atenção pode ser toda atenção possível.
Quem ama bonito não gasta o tempo dessa atenção cobrando a que deixou de ter.
Não teorize sobre o amor (deixe isso para nós, pobres escritores que vemos a vida como criança de nariz encostado na vitrine, cheia de brinquedos dos nossos sonhos): não teorize sobre o amor, ame.
Siga o destino dos sentimentos aqui e agora.
Não tenha medo exatamente de tudo o que você teme, como: a sinceridade; não dar certo; depois vir a sofrer (sofrerá de qualquer jeito); abrir o coração; contar a verdade do tamanho do amor que sente.
Jogue pro alto todas as jogadas, estratagemas, golpes, espertezas, atitudes sabidamente eficazes (não é sábio ser sabido): seja apenas você no auge de sua emoção e carência, exatamente aquele você que a vida impede de ser.
Seja você cantando desafinado, mas todas as manhãs.
Falando besteiras, mas criando sempre.
Gaguejando flores.
Sentindo o coração bater como no tempo
do Natal infantil.
Revivendo os carinhos que instruiu em criança.
Sem medo de dizer, eu quero, eu gosto, eu estou com vontade.
Talvez aí você consiga fazer o seu amor bonito, ou fazer bonito o seu amor, ou bonitar fazendo seu amor, ou amar fazendo o seu amor bonito (a ordem das frases não altera o produto), sempre que ele seja a mais verdadeira expressão de tudo o que você é e nunca, deixaram, conseguiu, soube, pôde, foi possível, ser.
Se o amor existe, seu conteúdo já é manifesto.
Não se preocupe mais com ele e suas definições.
Cuide agora da forma.
Cuide da voz.
Cuide da fala.
Cuide do cuidado.
Cuide do carinho.
Cuide de você.
Ame se o suficiente para ser capaz de gostar do amor e só assim poder começar a tentar fazer o outro feliz.