O Mal em MimNão sou capaz de explicar a sensação do mal em mim; representava, nesse período da minha vida de que falo, a fonte de uma angústia inexprimível.
Os homens constroem teorias estranhas sobre o bem e o mal, sobre os castigos e as recompensas; procuram assim a verdade que nunca em vida poderão saber.
Foi muito bom para mim e para a minha família o facto de eu ter sempre ficado em casa e conservado sem esforço o meu antigo modo de ser calmo até aos quinze anos.
Nessa altura, porém, mandaram me para uma escola longe da minha casa, onde o ser latente em mim que tanto temia despertou e começou a agir e a insinuar se na vida humana.
Quando digo que sentia haver muito mal dentro de mim, não quero dizer que estivesse desde sempre condenado a uma vida de infâmia ou de vício.
Quero dizer, porém, isto que havia em mim uma forte atracção por todas as coisas censuráveis que assediam o homem: podia controlar ou podia satisfazer esta atracção, mas uma vez satisfeita, mesmo só um pouco, era provável que eu nunca mais me pudesse controlar.
Resolvi satisfazer essa atracção, e a partir desse momento, dava me um prazer enorme explorar sempre novas espécies de mal.
Fernando Pessoa manuscrito, original em Inglês (1904 1908)