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Patricia Antoniete

TP 179.
Passaram poucas horas juntos, com a sensação de que seu encontro era mais que uma conspiração de acasos.
Não puderam entristecer se, felizes que estavam com aquela brecha de vida que desenrolava uma fita, que tecia um urdidura rara e frágil.
Falaram da vida e do mundo aproveitando cada instante, sem reservas ou medo, sem querer estar em nenhum outro lugar além dali mesmo, ao lado, desfrutando os minutos com a entrega absoluta da iminente finitude.
Mereceram esquecer se da vida que existia fora daquelas circunstâncias, porque concederam se experimentar as possibilidades, ainda que as possibilidades fossem nada mais do que desejo secreto e improvável.
Descobriram que podiam partilhar uma invenção do mundo em que só eles eram o que realmente eram e que lhes permitia serem assim, na simplicidade do acaso, um pouco um do outro como não tinham experimentado ser para ninguém, sem plano ou aquiescência, sem querer.
Habilitava se uma cumplicidade irrepetível que fazia o ar mais doce, mais calmo e seguro, subentendida a singularidade do que estavam vivendo, como se sussurrassem em silêncio para que cada segundo fosse sorvido, gravado, absorvido, tatuado na memória dos sentidos.
Sem tristeza ou pesar, procuravam reter tudo o que eram capazes um do outro, relicário de imagens e sons, o riso, a maneira de mexer a boca, erres e esses, a cor das mãos, o nome dito por aquela voz, a marca dos lábios no copo, os cílios inquietos, os cabelos em desalinho, um cheiro de perfume e sono, o formato das unhas, o volume do corpo.
Sabiam que não ousariam rebelar se contra o que se fazia posto e acabado na vida que era para além dali, mas queriam guardar um do outro, ainda que ainda não soubessem, recortes e fragmentos para contarem sua história de outras formas, de outros jeitos, com outro enredo que lhes permitisse experimentar o gosto da boca, dos líquidos, o peso do corpo, o calor das mãos, suas sombras, noites, vento, manhãs.
Porque precisavam disso, do que eram e da rebeldia escondida do que poderiam ser, mesmo longe, mesmo reinventados, mesmo nas lembranças imaginadas do que nunca teriam vivido, uma dobradura feita daqueles momentos, como se pudessem transformar os instantes em uma outra coisa qualquer, sem lógica ou tempo, viva por si mesma dentro deles em algum lugar.
Secretamente viva e possível, assim que ousassem vivê la.

A despeito do que poderiam os desavisados pensarem, amor e cansaço não são incompatíveis.
As pessoas cansam de amar, cansam mesmo.
Cansam de amar no vácuo, no vazio, a contra gosto, na marra, na mão única, com esforço, no amor à camiseta, cansam de amar quando amar é uma luta inglória, é uma sede saciada a conta gotas.
As pessoas cansam de nos amar apesar de nos amarem muito, as pessoas cansam de nos amar quando o amor é à custa de teimosias, defeitos, desaforos, desatenções, estupidezes, falhas de caráter, falta de tempo, descuidos, TPM, stress, chatice, drama, descaso, reclamações, egoísmo, omissões, negligências, filhadaputices, prioridades outras, grosserias, inaptidões, incapacidades, má administração, indiferença, cronograma insano, sacanagens, ingratidões, desídia, pouco caso, desconsideração, intolerância.
O amor suporta muito e não espera um escambo de atenção e sentimento, mas o amor tem ida e vinda, tem mão dupla, tem uma razão outra que não é puro altruísmo e desapego.
Não pense que quanto mais o outro suporta, quanto mais o outro luta, maior é o seu amor.
Isso é uma sabotagem imbecil de quem não se sente merecedor ou capaz de retribuir.
Pai dedicado cansa.
Filho devoto cansa.
Irmão parceiro cansa.
Amigo de fé cansa.
Até o grande amor cansa.
As pessoas cansam e desamam e se perdem e vão embora e não voltam mais.
Amor não é para sempre, não, não se engane.
O que é para sempre é saudade.
E a gente fica triste e fica infeliz e fica miserável e fica com a vida besta e vazia depois que quem nos ama desiste, a gente fica com a vida oca, fica tudo preto e branco e a gente acha que tudo bem, que vai ficar tudo bem e a gente se engana que supera, paciência, não era pra ser, não era forte o suficiente, não era verdadeiro o suficiente, mas não fica tudo bem, não supera coisa nenhuma, não era pra ser uma ova.
Nananinanão, senhor.
Porque a gente também cansa da tristeza e do vazio, a gente também cansa da solidão e da miséria, a gente também cansa da infelicidade, mais cedo ou mais tarde, e aí ó, babaus, já cansaram de nós.
Portanto, não ponha o amor à prova.
Não se proponha a testar até onde ele suporta.
Amor não é gincana, não é rali, não é prova de resistência.
Amor é pra amar e cuidar muito bem.
Já chega o fato de que tem todo o resto do mundo para criar problema, para dar trabalho, para dificultar as coisas.
Lute por e não contra.
Lute muito, lute bastante.
Mereça o seu amor enquanto ele ainda é seu e ainda está aqui.
E que 2008 nos encontre de frente e braços abertos, cheios de coragem para amar e deixar se ser amado.

Meus grandes momentos de felicidade não coincidem com grandes
momentos.
Não se tratam de rituais de passagem, de grandes realizações, não têm holofotes, arranjos de flores, entradas triunfais, rufar de tambores.
Poucos deles ficaram na memória associados a uma data e são muito mais sensações, frases soltas, pequenos gestos do que propriamente grandes momentos.
Foram, na verdade, ordinariedades simples capazes de parar o tempo e me mostrar a perfeição do instante, de revelar milagrosamente, como quem tira um coelho da cartola, a felicidade irretocável que eu estava vivendo.
Gérberas enroladas em papel pardo numa manhã de sábado.
Café com empada e jornal na Rua da República.
Banheira e sopa de abóbora temperada de lexotan.
Saguão de aeroporto esperando amigos que conversavam fumando.
A mão que brinca por debaixo das cobertas com a minha tornozeleira.
Cadeiras lado a lado no salão de beleza com a irmã que vai casar.
A subida da serra num carro 1.0 com Facelo de co piloto e DJ.
Amigos dividindo pão de queijo e café pra se despedir.
Um quarto de hotel num fim de tarde fúcsia com os Morelembaum de trilha.
A boca cheia de spaguetti.
Calor, refrigerante, poeira e 8.000km num carro sem ar condicionado.
Nininha fritando bolo de batata.
Ser embalada aos pulinhos.
Um anel escondido nos lençóis.
"Ticcia, Ticcia, ó, não tê lua, tê estelinhas".
O Frescão na chegada ao Rio.
Roupa manchada de laranja 60 percebes depois.
Chope do Liliput.
O elogio de um cara genial.
A escada rolante do desembarque.
Sentir me em casa.