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Fabíola Simões

Existe um ciclo afetivo que determina um prazo até que estejamos prontos para nos relacionar novamente com aqueles que um dia amamos.
Esse ciclo estabelece um período de tempo em que temos que nos curar e sermos capazes de direcionar nosso afeto, nosso carinho e nossas boas lembranças para um novo tipo de relação: a amizade.
Foi Domingos de Oliveira que disse: “Aqueles que se amaram muito um dia têm que permanecer amigos para sempre, senão o mundo fica cruel demais“.
Não há crueldade maior que nunca mais trocar algumas palavras com aqueles que um dia amamos.
Não há insensatez maior do que acreditar que não é possível olhar para trás com ternura e afeição, sem um pingo de má intenção.
Não há incoerência maior que imaginar que o amor não possa se transformar numa amizade real e desprovida de recaídas.
Por alguma razão seguimos em frente por caminhos distintos, mas isso não significa que colocamos uma pedra em cima do que fomos ou do que vivemos.
Carregamos em nós retalhos de nossas vivências e vestígios de nossas experiências afetivas.
Aqueles que um dia se amaram muito jamais poderão agir como meros desconhecidos.
Depois que a poeira baixa e as feridas cicatrizam, ainda resta a possibilidade da amizade.
Não como um prêmio de consolação, e sim com a certeza de que é possível usufruir desse vínculo de uma outra maneira, muitas vezes bem melhor.
Por mais doloroso que tenha sido o fim, um dia deixará de doer.
E sentiremos falta da pessoa não como objeto da nossa paixão e sim como alguém que queríamos sempre por perto.
Tornar possível a amizade com quem um dia amamos é um gesto de amor próprio.
A tristeza pelo fim de uma relação amorosa pode ser amenizada pela esperança de um dia nos tornarmos amigos.
Pela possibilidade de um dia voltarmos a nos encontrar de uma forma mais suave, sem o medo de ser abandonado, sem a insegurança da paixão, sem as cobranças e exigências de uma relação.
Talvez isso amenize a dor do fim.
Talvez isso possa ser o combustível para termos paciência com o tempo e as demoras.
Talvez isso nos permita ver a vida como um ciclo de finais e recomeços

Acho que foi em 1993.
Numa entrevista _ histórica_ pra MTV, Renato Russo disse a Zeca Camargo que achava lealdade mais importante que fidelidade.
Eu era menina, mas lembro que gravei a entrevista numa fita VHS e revi inúmeras vezes, me intrigando sempre nessa parte.
Eu entendia pouco acerca do amor, dos afetos, da durabilidade das relações.
Mas Renato Russo me influenciava _ numa época em que meu pensamento ainda estava sendo moldado_ e eu tentava, imaturamente, entender aquela declaração.
Isso foi há vinte anos.
De lá pra cá, relações se construíram e desconstruíram na minha frente.
E vivendo minha própria experiência, finalmente consigo entender, e de certa forma concordar, com Renato Russo.
A fidelidade é permeada por regras, obrigações, compromisso.
É conexão com fio, em que te dou uma ponta e fico com a outra.
Assim, ficamos ligados mas temos que manter a vigília para o fio não escapar e nosso aparelho não desligar.
Já a lealdade_ permeada pelo vínculo, vontade e emoção_ é o pacto que se firma não por valores morais, e sim emocionais.
É conexão "wi fi: fidelidade sem fio", que faz com que eu permaneça unida a você independente da existência de condutores ou contratos.
Permaneço em pleno funcionamento por convicções permanentes e duradouras, invisíveis aos olhos.
Amor nenhum se atualiza sozinho.
O tempo passa, a gente muda, o amor modifica.
E nessa evolução toda, a única tecla capaz de atualizar e permitir a duração do amor, é a tecla da lealdade.
É ela que conta ao outro que estou mudando, que não gosto mais daquele apelido, ou que aquela mania de encostar os pés gelados em mim embaixo do cobertor ficou chata.
É ela que diz que eu gosto tanto do seu cabelo jogado na testa, por que é que não deixa sempre assim Ou que traduz que tenho medo de te perder, mas ainda assim preciso lhe contar que na época da faculdade usei drogas, pratiquei magia ou fiz um aborto.
É ela que permite que coisas ruins ou não tão bonitas encontrem um refúgio, um lugar seguro onde possam descansar em paz.
É ela que faz o amor se atualizar e durar
Lealdade é não precisar solicitar conexão.
É conectar se sem demora, reservas ou desconfianças.
É compartilhar a senha da própria vida, com tudo de bom e ruim que lhe coube até aqui.
Leal é quem conhece as fraquezas, revezes, tombos e dificuldades do outro e não usa isso como álibi na hora da desavença; ao contrário, suporta sua imperfeição e o ajuda a se levantar.
Leal é quem lhe defende na sua ausência.
É quem prepara seu terreno, se preocupa com sua dor, antecipa a cura;
Leal é aquele que é fiel por opção, atento ao amor que possui, zeloso com o próprio coração;
É quem não omite o próprio descontentamento, mas aponta o que pode ser feito pra não se perder
Então sim, eu concordo com Renato Russo e acho que deslealdade separa mais que infidelidade.
Pois não adianta não trair por fora, se traio o amor por dentro.
Se tenho medo de arriscar e polpo meu afeto de se conhecer por inteiro; se não tolero meu caos e vivo uma mentira imaculada.
Se não absolvo minha história nem perdoo meu enredo, desejando fazer dele uma fábula fantasiosa aos olhos de quem amo.
Se contrario minha vontade e disposição e omito minhas intolerâncias pra não ferir _ me afastando silenciosa e gradativamente até a ruptura.
Se me apresento por partes_ as melhores ficam aparentes, as nem tanto eu omito_ e não permito ser conhecido.
Finalmente, se não confio a ponto de compartilhar a poltrona do carona_ ao meu lado_ reservando apenas o banco de trás ( e olhe lá! ) à minha companhia nessa viagem