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Alessandro Lo Bianco

Gosto de tomar uma taça de vinho em silêncio antes de dormir; é o momento que tiro para lembrar das coisas que busco sempre não esquecer e fazer um exercício de prevenção contra Alzheimer: lembro agora quando era criança e colocava os braços dentro da camisa e dizia às pessoas que os tinha perdido.
Lembro quando dormia no quarto da minha irmã e achava que todos os animais de pelúcia dela me olhavam; dormia com todos para nenhum ficar ofendido.
Acordava cedo final de semana só para forrar o chão com uma coberta e ficar com os brinquedos do lado vendo desenhos.
Sobre o amor, lembro que ele era mágico e me bastava completamente quando olhava a menina que eu gostava no colégio, e me escondia quando ela olhava de volta no recreio.
Lembro na escolinha de futebol quando me joguei no chão e simulei uma câimbra pra ver como era a sensação de ter uma partida inteira de futebol parada por minha causa.
Lembro quando tinha festa lá em casa, eu esperava atrás das portas para assustar as pessoas, mas saia sempre porque elas demoravam a passar e me dava vontade de fazer xixi.
Comecei então a assoprar dentro de sacolas plásticas e estourar no ouvido do meu pai pelas costas para os outros rirem.
Sobre o meu pai, lembro também que cansei de fingir que estava dormindo no sofá só para ver ele me carregar no colo para cama e ainda pedir silêncio para os outros no caminho para eu não acordar.
Quando viajava com meus pais de Friburgo para o Rio durante a noite, olhava pelo céu da janela do carro e achava que a lua estava seguindo o carro e, quando chovia, olhava aquelas gotinhas de água escorrendo na janela como se fosse uma corrida entre elas.
Parece que foi ontem que eu era criança e queria crescer O que havia na minha cabeça

Sentado aqui na minha varanda, sozinho, olhando as luzes de tantas janelas em tantos prédios, e já na segunda taça de vinho, penso que a felicidade é uma palavra de difícil qualificação Comparada com uma cor, certamente teria várias nuanças.
Pode significar o estado de um ser ditoso, contente, alegre, de sorte, enfim, um indivíduo satisfeito com a vida por vários motivos.
E, nesta variedade de motivos, cabem várias reflexões.
Sem dúvida, a felicidade é um estado de espírito e, por isso, muito pessoal e variável.
De modo que a razão da felicidade de um, pode ser por outro ângulo, ainda que contrariamente, a razão da felicidade de outro.
Exemplo: o portador da boa saúde, forte, belo, econômica e financeiramente bem, é feliz por estas circunstâncias; outro, doente, feio, fraco e pobre, por motivos de crença kardecista, pode se sentir satisfeito e feliz, por admitir pelo que crê, que ao reencarnar ele mesmo escolheu uma vida de sacrifícios, para purgar erros e faltas cometidas em vidas anteriores e, com isso, atingir a perfeição espiritual, para ele mais valiosa que tudo.
É feliz por isso.
Um outro católico praticamente por viver bem e agraciado por pedir e receber dádivas celestiais que lhe são proporcionadas por seu deus e seus santos de devoção, vive deitado no armarinho da gratidão e felicidade; outro, da mesma crença, levando vida de cão, sofrendo agruras; julga se, também, conformado e feliz por considerar que tudo que sofre é um desígnio da divina providência e como tal deve entender como justo e aceita conformado e até agradecido.
É feliz também a seu modo.
Em outras palavras, o que é ótimo para uns pode ser ainda que em sentido completamente oposto, também aceitável para outro.
Uma espécie de felicidade pelo avesso.
O interessante é que este estado de espírito pode ser sentido, em certas circunstâncias, por uma coletividade inteira, ora sob o aspecto positivo, ora sob o aspecto negativo.
Assim, a chuva diluvial que atingiu inúmeras vezes o Rio de Janeiro e, principalmente a Região Serrana, destruindo barracos nos morros e atingindo, também bairros elegantes da zona sul do rio; essa chuva que levou um prefeito a apelar para oração para que não mais chovesse, pois não tinha meios para socorrer os desabrigados, é, sob outro aspecto, a mesma chuva salvadora de vidas em todo o Rio, que poderá salvar os reservatórios, mais uma vez que, sob um terceiro aspecto, vivemos há décadas dos eternos políticos que assentam as nádegas nas cadeiras do congresso.
O furacão que arrasta cidades, derruba torres, afunda barcos e mata muita gente nos EUA, considerado dos mais adiantados locais de progresso do mundo é o mesmo vento forte que no Saara, com o nome de Simum, refresca a atmosfera tórrida do Norte da África, estendendo sopro quente através do Mediterrâneo, temperando o clima de todo sul da Europa, considerado o ideal para o turismo da região.
Como se vê, a felicidade não é facilmente definível.
Tudo depende das circunstâncias.
Enfim, as luzes acesas de cada janela desses prédios, tão distantes, continuam iluminando o que estou vendo agora.
Tim Tim.