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Martha Medeiros

FALAR
Já fui de esconder o que sentia, e sofri com isso.
Hoje não escondo nada do que sinto e penso, e às vezes também sofro com isso, mas ao menos não compactuo mais com um tipo de silêncio nocivo: o silêncio que tortura o outro, que confunde, o silêncio a fim de manter o poder num relacionamento.
Assisti ao filme Mentiras sinceras com uma pontinha de decepção – os comentários haviam sido ótimos, porém a contenção inglesa do filme me irritou um pouco.
Nos momentos finais, no entanto, uma cena aparentemente simples redimiu minha frustração.
Embaixo de um guarda chuva, numa noite fria e molhada, um homem diz para uma mulher o que ela sempre precisou ouvir.
E eu pensei: como é fácil libertar alguém de seus fantasmas e, libertando o, abrir uma possibilidade de tê lo de volta, mais inteiro.
Falar o que se sente é considerado uma fraqueza.
Ao sermos absolutamente sinceros, a vulnerabilidade se instala.
Perde se o mistério que nos veste tão bem, ficamos nus.
E não é esse tipo de nudez que nos atrai.
Se a verdade pode parecer perturbadora para quem fala, é extremamente libertadora para quem ouve.
É como se uma mão gigantesca varresse num segundo todas as nossas dúvidas.
Finalmente, se sabe.
Mas sabe se o quê O que todos nós, no fundo, queremos saber: se somos amados.
Tão banal, não
E no entanto essa banalidade é fomentadora das maiores carências, de traumas que nos aleijam, nos paralisam e nos afastam das pessoas que nos são mais caras.
Por que a dificuldade de dizer para alguém o quanto ela é – ou foi – importante Dizer não como recurso de sedução, mas como um ato de generosidade, dizer sem esperar nada em troca.
Dizer, simplesmente.
A maioria das relações – entre amantes, entre pais e filhos, e mesmo entre amigos – se ampara em mentiras parciais e verdades pela metade.
Pode se passar anos ao lado de alguém falando coisas inteligentes, citando poemas, esbanjando presença de espírito, sem ter a delicadeza de fazer a aguardada declaração que daria ao outro uma certeza e, com a certeza, a liberdade.
Parece que só conseguimos manter as pessoas ao nosso lado se elas não souberem tudo.
Ou, ao menos, se não souberem o essencial.
E assim, através da manipulação, a relação passa a ficar doentia, inquieta, frágil.
Em vez de uma vida a dois, passa se a ter uma sobrevida a dois.
Deixar o outro inseguro é uma maneira de prendê lo a nós – e este “a nós” inspira um providencial duplo sentido.
Mesmo que ele tente se libertar, estará amarrado aos pontos de interrogação que colecionou.
Somos sádicos e avaros ao economizar nossos “eu te perdôo”, “eu te compreendo”, “eu te aceito como és” e o nosso mais profundo “eu te amo” – não o “eu te amo” dito às pressas no final de uma ligação telefônica, por força do hábito, e sim o “eu te amo” que significa: “Seja feliz da maneira que você escolher, meu sentimento permanecerá o mesmo”.
Libertar uma pessoa pode levar menos de um minuto.
Oprimi la é trabalho para uma vida.
Mais que as mentiras, o silêncio é que é a verdadeira arma letal das relações humanas.

VELHOS AMIGOS, NOVOS AMIGOS
Quem é seu melhor amigo(a) Deixe ver se adivinho: estuda na mesma escola ou cursinho, tem a mesma idade (talvez um ano a mais ou a menos), freqüenta o mesmo clube ou a mesma praia.
Se errei, foi por pouco.
Não é vidência: minha melhor amiga também foi minha colega tanto na escola quanto na faculdade e nascemos no mesmo ano.
São amizades extremamente salutares, pois podemos dividir com eles angústias e alegrias próprias do momento que se está vivendo.
Mas fique esperto.
Fechar a porta para pessoas diferentes de você é sinal de inteligência precária.
Durante a adolescência, é vital repartir nossas experiências com pessoas que pensem como nós e que tenham o mesmo pique: é importante sentir se incluído num grupo, de pertencer a uma turma.
Perde se, no entanto, o convívio com pessoas de outras idades e de outros "planetas", que muito poderiam lapidar a nossa visão de mundo.
Entre iguais, tudo é igual.
A vida ganha movimento é na diferença.
Se você é rato de biblioteca, iria se divertir ouvindo as histórias contadas por um alpinista experiente.
Se você tem muita grana, ficaria surpreso em saber como dá duro o cara que trabalha de
dia para poder estudar à noite e o quanto ele precisa economizar para tomar dois chopes no sábado.
Se você curte música, seria bacana conversar com quem curte teatro.
Se você é derrotista, seria uma boa bater um papo com quem já sofreu de verdade.
Você, que se acha uma velha aos 27 anos, iria se divertir muito com os relatos de uma cinquentona irada.
E você, beirando os 60, se surpreenderia com a maturidade de um garoto de 18.
Para os de meia idade, nada melhor do que ter amigos nos dois extremos: da garotada que lhe arrasta para dançar até aqueles que estão numa marcha mais lenta, que já viveram de tudo e de tudo podem falar.
A cabeça da gente comporta rafting e música lírica, videoclipes e dança flamenca, ficar com alguém por uma noite e ficar para sempre.
É importante cultivar afinidades, mas as desafinações ensinam bastante.
No mínimo, nos fazem dar boas risadas.
Vale amizade com executivo e com office boy, com solteiros e casados, meninas e mulheraços, gente que torce para outro time e vota em outro partido.
Vale sempre que houver troca.
Vale inclusive pai e mãe.