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Martha Medeiros

Você conhece o tipo.
Ela é uma graça de pessoa, excelente companhia para um cinema, para uma caminhada no calçadão, para uma balada dançante.
Uma amiga querida.
Mas não dá para convidá la para almoçar na sua casa.
É daquelas chatas pra comer.
A pessoa chata pra comer teve uma infância complicada neste setor: não comia nada.
Criança que não gosta de legumes e verduras é normal, mas ela não gostava de cachorro quente, não gostava de presunto e queijo, não gostava de banana, de doce de leite, de molho algum, nem de temperos, implicava com as cores e os cheiros dos alimentos, uma chata.
Deveria ter recebido, naquela época, os corretivos adequados, mas a mãe e o pai não quiseram se dar ao incômodo e agora está ela aí, adulta, simpática, bonita, inteligente, divertida, encantadora mas chata pra comer.
A chata pra comer não consegue trocar de marca.
Aos quatro anos de idade comeu um iogurte de determinada marca e nunca mais quis nem chegar perto de qualquer outra embalagem que não fosse aquela sua velha conhecida.
Ela estranha muito os novos gostos, mesmo que a diferença seja imperceptível.
E é assim com mostardas, maioneses, conservas, café em pó, sopas de pacote: ela é fidelíssima ao primeiro amor quando há troca de nome ou fabricante, ela nem olha.
A chata pra comer é alérgica a frutos do mar.
Implica com tudo que leve ovo.
Tira todas as nervuras do bife, e também as bordas, não come as bordas nem do filé.
A chata pra comer pergunta por ingredientes que ela não identifica.
Tem cebola neste arroz Tem champignon neste estrogonofe Tem palmito neste pastel Tem bacon nesta batata Ah, então não vou querer, obrigada.
Ela é muito educada, a chata.
Ela também não come comida que seja regional.
Sarapatel, carreteiro de charque, buchada de bode Credo.
Ela é fã de cozinha internacional de restaurante, a ver: suprema de frango, massa aos quatro queijos, camarão à grega.
Ela é alérgica a frutos do mar, mas de camarão ela gosta.
Frutos do mar, pra ela, são aquelas outras coisas nojentas: lula, mariscos, mexilhões.
A chata pra comer acha comida caseira sem graça.
E o resto, sofisticado demais.
Não gosta de nada muito apimentado, nem muito salgado, nem de carnes estranhas como javali, pernil e pato, nem de molho agridoce, nem de comida crua, nem de cozinha étnica.
Junkie food, tudo bem, desde que sem picles e catchup.
Pizza Margherita, superoriginal.
Sobremesa Não é chegada a doces.
A chata pra comer ao menos bebe.
Se não bebesse, seria insuportável.
Mas ela não é insuportável: é gentil, espirituosa, culta, empreendedora, charmosa e, claro, sendo chatíssima pra comer, a desgraçada é magra.

VELHOS AMIGOS, NOVOS AMIGOS
Quem é seu melhor amigo(a) Deixe ver se adivinho: estuda na mesma escola ou cursinho, tem a mesma idade (talvez um ano a mais ou a menos), freqüenta o mesmo clube ou a mesma praia.
Se errei, foi por pouco.
Não é vidência: minha melhor amiga também foi minha colega tanto na escola quanto na faculdade e nascemos no mesmo ano.
São amizades extremamente salutares, pois podemos dividir com eles angústias e alegrias próprias do momento que se está vivendo.
Mas fique esperto.
Fechar a porta para pessoas diferentes de você é sinal de inteligência precária.
Durante a adolescência, é vital repartir nossas experiências com pessoas que pensem como nós e que tenham o mesmo pique: é importante sentir se incluído num grupo, de pertencer a uma turma.
Perde se, no entanto, o convívio com pessoas de outras idades e de outros "planetas", que muito poderiam lapidar a nossa visão de mundo.
Entre iguais, tudo é igual.
A vida ganha movimento é na diferença.
Se você é rato de biblioteca, iria se divertir ouvindo as histórias contadas por um alpinista experiente.
Se você tem muita grana, ficaria surpreso em saber como dá duro o cara que trabalha de
dia para poder estudar à noite e o quanto ele precisa economizar para tomar dois chopes no sábado.
Se você curte música, seria bacana conversar com quem curte teatro.
Se você é derrotista, seria uma boa bater um papo com quem já sofreu de verdade.
Você, que se acha uma velha aos 27 anos, iria se divertir muito com os relatos de uma cinquentona irada.
E você, beirando os 60, se surpreenderia com a maturidade de um garoto de 18.
Para os de meia idade, nada melhor do que ter amigos nos dois extremos: da garotada que lhe arrasta para dançar até aqueles que estão numa marcha mais lenta, que já viveram de tudo e de tudo podem falar.
A cabeça da gente comporta rafting e música lírica, videoclipes e dança flamenca, ficar com alguém por uma noite e ficar para sempre.
É importante cultivar afinidades, mas as desafinações ensinam bastante.
No mínimo, nos fazem dar boas risadas.
Vale amizade com executivo e com office boy, com solteiros e casados, meninas e mulheraços, gente que torce para outro time e vota em outro partido.
Vale sempre que houver troca.
Vale inclusive pai e mãe.