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Brena Braz

Crimes Morais
Alguém entra na sua casa, rouba suas coisas, agride você.
Esse alguém cometeu, de uma só vez, vários crimes.
Previstos em vários artigos da Constituição.
Alguém entra na sua vida, rouba seu tempo, destrói sua confiança, agride sua auto estima, estilhaça o pouco que resta da sua confiança no amor.
E sai ileso.
Mas não seria esse o pior crime que alguém pode cometer contra outra pessoa Agressão só é penalizada quando alguém encosta a mão em alguém Como se pune quem causa uma ferida que não está exposta
Acredito que tomar uma surra de um boxeador deve doer menos do que ser traído.
A dor física passa em algumas horas ou, em casos mais graves, alguns dias.
Pra dor física, existe remédio.
Pras feridas, existe curativo.
Mas quem cura a dor de um coração destruído Como se cura a dor de uma confiança perdida O que fazer com as feridas cravadas na alma de alguém que sai na rua descrente do mundo Como penalizar o agressor que, sem usar mãos, armas ou objetos cortantes e pontiagudos, causou ferimentos graves em alguém Por que ninguém previu isso na lei
As pessoas lotam os consultórios psiquiátricos, se entorpecem de remédio pra ansiedade, remédio pra depressão, remédio pra pressão, remédio pra dormir, remédio pra acordar.
Remédio pra viver.
Pra fazer viver quem quer morrer.
Remédio pro irremediável.
Pra dor que não passa.
Pra ferida que ninguém vê.
Vãs tentativas de resolver o caos interno.
As pessoas tentam remediar uma dor que parece que nunca vai ter fim, um sofrimento que vem de dentro.
Bem fundo.
Tão fundo que nenhum remédio ou substância tóxica é capaz de alcançar.
Entendo perfeitamente crimes passionais.
Entendo perfeitamente quando minha amiga diz que não consegue conversar mais com o ex namorado porque ela tem vontade de bater nele.
Entendo meu amigo que diz que preferia ver a namorada morta do que com outro.
Sinceramente, entendo.
Quando alguém te machuca, te decepciona, te magoa, a dor é tão grande que você quer agredir a pessoa de volta.
Você se sente impotente.
Enganado.
Ferido.
Frustrado.
Dá vontade de matar.
De morrer.
De sumir.
Seu mundo desaba bem na sua frente.
Você sente que perdeu seu tempo, sua vida, sua auto estima, suas forças.
E qual a pena pro agressor nesse caso Qual a pena pra alguém que entrou na sua vida, na sua casa, nos seus sonhos, nos seus planos e, num piscar de olhos, destruiu tudo como se tivesse esse direito
O que sempre falo com meus amigos (como se conselho valesse de alguma coisa) é que vingança não é remédio.
Nem fazer justiça com as próprias mãos.
Acredito que o tempo se encarrega disso.
Acredito que pessoas que usam da confiança e boa vontade das outras nunca vão se dar bem na vida.
Ou não vão ser felizes.
Ou nunca vão conseguir amar de verdade.
Ou não mereciam a gente.
Ou que a gente deve agradecer por ter se livrado de um encosto.
Ou sei lá o que.
Nunca fui boa conselheira.
Talvez essas sejam as formas da vida punir quem brinca com o coração dos outros.
Não sei mesmo.
Em todo caso, deseje o mal de volta pra pessoa.
Não por vingança.
Só pra ver se ela é forte como você.

A ÚLTIMA PRIMEIRA VEZ
Ele toca a campainha e, ao contrário de todas as vezes anteriores, ela não corre pra terminar de se arrumar.
Ela não coloca brinco na orelha, não retoca o batom, não troca a sandália de dedos pelo salto alto.
Ela atende a porta de chinelo velho e cabelo preso pra trás da orelha com piranha de plástico daquelas de duas por um Real.
Ele a olha nos olhos, diz que está com saudade e a abraça com tanta força que parece que vai quebrar aquele corpinho magrelo.
Ela fica na ponta dos pés para abraçá lo e, nesse instante, se lembra que costumava fazer isso para alcançá lo.
Foi tudo muito estranho pela primeira vez.
O tênis esquisito dele não combinava mais com ela.
Aquela camisa larga e aquela bermuda mais pareciam seu irmão de 17 anos.
Nada nele havia mudado, mas era tudo diferente pra ela.
A voz, o sorriso meio sem graça, o cabelo liso meio sei lá, as canelas finas, as mãos quadradas num tom rosado de tão brancas.
Tudo tão igual sempre foi e tão estranho pra ela.
A vida dela andou nesse um ano e pouco que eles ficaram sem se falar.
Ela mudou.
Piorou em algumas coisas, melhorou em outras, mas mudou.
Ela, que não gostava de rave e andava pra música eletrônica, agora compra ingresso com um mês de antecedência.
Ela trocou a cama por uma melhor, o sofá da sala por um branco lindo, mudou os móveis de lugar depois do Natal, trocou o carro por outro que anda muito mais.
Mudou o tom do cabelo, o estilo das roupas.
Fez vários novos amigos.
Para ele, parece que o tempo não passou.
Ele acha que pode chamá la pelos apelidos que ele costumava inventar pra ela, acha que pode pegar nela onde bem entender e que pode arrumar o cabelo dela pra trás da orelha.
Não.
Eles ainda têm algum assunto, mas ela já não faz mais piadinhas pra implicar com a vida de solteiro dele.
Ela não é mais dissimulada quando ele pergunta se ela está com alguém.
Ela está solteira e não precisa mais fingir que está de rolo com alguém pra fazer ciúme nele.
Não faz mais sentido.
Nada mais faz sentido.
As brincadeiras, o abraço, o toque do corpo.
Acabou a emoção, acabou o brilho no sorriso, acabou o sorriso nos olhos.
Coisas do tempo.
Ele partiu sem nenhuma dor.
Ela fechou a porta e sua vida continuou de onde estava.
Pela primeira vez, ela fechava aquela porta sem sentar na escada e chorar por ele ter ido embora pra sempre.
Pela primeira vez, ele saiu sem que ela o observasse partir com o coração apertado.
Pela primeira vez, ele foi embora sem deixar uma gotinha de esperança de que ela pudesse tê lo de volta na vida dela.
Pela primeira vez, ele partiu sem que eles tivessem trocado mais do que um abraço apertado.
Pela primeira vez, ele se foi sem que eles tivessem remexido o passado ou chorado porque alguma coisa não deu certo entre eles.
Pela primeira vez, ele foi embora de verdade.
Pela última vez, ele foi embora.