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Fabrício Carpinejar

DEPOIS DE MUITO AMOR
A mulher somente despreza quem ela amou demais.
Não é qualquer homem que merece, não é qualquer pessoa.
Pede uma longa história de convivência, tentativas e vindas, mutilações e desculpas.
O desprezo surge após longo desespero.
É quando o desespero cansa, quando a dúvida não reabre mais a ferida.
É possível desprezar pai e mãe, ex esposa ou ex marido, daquele que se esperava tanto.
Não se pode sentir desprezo por um desconhecido, por um colega de trabalho, por um amigo recente.
O desprezo demora toda a vida, é outra vida.
É nossa incrível capacidade de transformar o ente familiar num sujeito anônimo.
Assim que se torna desprezo, é irreversível, não é uma opinião que se troca, um princípio que se aperfeiçoa.
Incorpora se ao nosso caráter.
Desprezo não recebe promoção, não decresce com o tempo.
Não existe como convencer seu portador a largá lo.
Não é algo que dominamos, tampouco gera orgulho, nunca será um troféu que se põe na estante.
Desprezo é uma casa que não será novamente habitada.
Uma casa em inventário.
Uma casa que ocupa um espaço, mas não conta.
É a medida do que não foi feito, uma régua do deserto.
A saudade mede a falta.
O desprezo mede a ausência.
O desprezo não costuma acontecer na adolescência, fase em que nada realmente acaba e toda vela de aniversário ainda teima em acender.
É reservado aos adultos, desconfio que deflagre a velhice; vem de um amor abandonado.
Trata se de um mergulho corajoso ao pântano de si, desaconselhável aos corações doces e puros, representa a mais aterrorizante e ameaçadora experiência.
Indica uma intimidade perdida, solitária, uma intimidade que se soltou da raiz do voo.
O desprezo é um ódio morto.
É quando o ódio não é mais correspondido.
Não significa que se aceitou o passado, que se tolera o futuro; é uma desistência.
Uma espécie de serenidade da indiferença.
Não desencadeia retaliação, não se tem mais vontade de reclamar, não se tem mais gana para ofender.
Supera a ideia de fim, é a abolição do início.
Não desejaria isso para nenhum homem.
O desprezado é mais do que um fantasma.
Não é que morreu, sequer nasceu; seu nascimento foi anulado, ele deixa de existir.
O desprezo é um amor além do amor, muito além do amor.
Não há como voltar dele.
(Zero Hora)

A vingança encharca a literatura e a música, mas seus mistérios jamais serão esgotados.
Vingança é uma arte, o refinamento da carência.
Quem procura se vingar do ex ou da ex, na verdade, não cansou de brigar.
Não terminou de argumentar.
Vingança é discutir o relacionamento sozinho, é discutir o relacionamento à distância, é dedicar o dia inteiro, às vezes a vida inteira, a arquitetar uma forma de chamar a atenção do amante que negou o ouvido.
O luto é destinado aos que amam amar.
Vinga se a pessoa que odeia amar, odeia continuar amando.
É o encontro do mais extremo ódio com o mais extremo amor.
A união de dois terrorismos.
Vinga se aquele que acredita que deu mais do que recebeu e que se enxerga ludibriado.
Aquele que, durante a relação, cobrava em segredo tudo o que oferecia, listava presentes e gestos.
A vingança é o juízo final do avarento amoroso.
Indica também prepotência.
O vingador se enxerga superior ao vingado, mais experiente e sábio.
Acha que está ensinando seu antigo par.
Encarna a figura de professor repreendendo o erro do aluno.
Assim como não sofre em vão, somente se humilha para humilhar o outro.
Todo sofrimento é arrogante, debitado na conta do desafeto.
O vingador cobiça a última palavra pois não aceita que alguém pense o pior dele.
Planeja castigar as supostas distorções e intimidar as possíveis confissões de sua intimidade.
O vingador vive por hipóteses.
Não entendeu que a última palavra não existe, é uma desculpa para mandar.
A vingança é o mais paradoxal dos atos: um sentimento inteligente em mãos burras e desgovernadas; uma pressa que exige longa paciência e dissimulação.
Requer as mais contraditórias atitudes: sangue frio de alguém com sangue quente; calar se apesar da exagerada vontade de falar.
A vingança fracassa pela ânsia de fama do seu autor.
Quem busca se vingar pretende que o outro saiba que foi ele, que não tenha nenhuma dúvida.
Deseja dar o troco beijando a boca, olhando nos olhos.
Conclui que não adianta nada uma vingança sem remetente.
E peca pela ambição, erra ao se expor, porque a represália aguda e exitosa esconde o criminoso para a perfeição do crime; deve ser anônima, gerando a desconfiança, mas não entregando totalmente o seu mentor.
Não conheço vingança perfeita.
Não se vingar talvez seja a melhor vingança.
Fazer esperar uma resposta que nunca virá.