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Clarissa Corrêa

Eu não me poupo
Minha avó sempre disse que quem poupa, tem.
Lembro das férias de verão lá na praia, o meu irmão economizava a mesada e eu comprava picolés para a família inteira.
É por minha conta, minha conta.
Duas semanas se passavam e eu estava pelada, sem um centavo, mas com a barriga cheia de picolés de chocolate.
Meu pai coloca água no shampoo, pois ele diz que todos são concentrados; a água dilui um pouco e parece que deixa o cabelo mais soltinho, não sei se é lenda.
Nos próprios salões de beleza eles colocam um pouco do produto na sua cabeça e, ali mesmo, misturam com um pouco de água.
Esfregam, esfregam e pronto, que lindo.
Animais em extinção.
Água.
Energia elétrica.
Telefone.
Reciclagem de lixo.
Natureza.
Amizades.
Família.
Amores.
Precisamos cuidar, poupar, tomar conta.
Um dia tudo acaba.
Lá vem a vovó de novo com o seu quem poupa, tem.
Eu lavo o cabelo todos os dias, semana passada meu pai perguntou se eu comia shampoo.
Não, não como.
Lavo duas vezes, todos os dias e meu cabelo é médio.
Médio, para quem não sabe, fica entre o curto e o comprido.
Não é nem um, nem outro.
É médio.
Mas eu não misturo com água, deixo juntar uma espuma gigante, pois adoro espumas.
Lavo até fazer aquele barulho de limpo.
O barulho de limpo, para quem não sabe, é aquele som irreproduzível que a mão emite ao entrar em contato com o seu cabelo encharcado de água.
Depois de passar o condicionador, lógico.
Tem gente que consegue lavar a louça com pouquíssima água, eu não.
Preciso de muita.
E uso muito detergente, você sabe que preciso de espumas para viver.
Sou a maior consumidora de água do planeta, tenho que diminuir, eu sei.
Juro que vou me esforçar.
Vou tentar ser econômica.
Só não me peçam para economizar sentimentos.
Quem poupa, tem Não sei me economizar.
Eu não me poupo.
Nunca soube fingir.
Acho uma espécie de traição fechar os olhos para as vontades.
Se você sente, sinta.
Não maquine ou arquitete qualquer coisa mirabolante, apenas sinta.
Não vou negar que já fugi, já sim.
Inúmeras vezes.
Eu teria que pedir dedos emprestados para conseguir contar.
Nem acho o fugir ruim, às vezes se faz necessário.
Não é errado, o sentimento vai dentro da sua roupa, o problema gruda nas suas costas, mas na fuga você se encontra.
Ou então você larga o que já está usado e quase caindo aos pedaços lá no meio do caminho.
É uma espécie alternativa de exorcismo.
Sai daqui, sai daqui.
Adeus, demônios.
A fuga te liberta do diabo.
Ou então faz com que você perca o medo de voltar.
Porque nós sempre precisamos voltar para algum lugar.
O que foge e o que volta.
O que vai e o que retorna.
É você.
Um você diferente.
Um você modificado.
Se tudo vem da infância, vou voltar lá para o início, no tempo em que eu era mão aberta com a mesada e distribuía picolés.
Não é o dinheiro, é o gesto.
Sempre gostei de fazer mimos e agrados.
Quando eu quero, que fique claro.
Com quem merece, que fique evidente.
Continuo a mesma, hoje em dia não tenho mais atração por sorvetes, meu negócio é outro.
Prefiro esbanjar emoções.
Mesmo que doa.
Mesmo que, um dia, eu possa me arrepender.
Meus arrependimentos duram pouco, alguma coisa me cutuca e diz olha, que bom que você fez.
Que bom que você teve coragem.
Que bom que você sente.
Que bom que você tenta.
Tentar é se arriscar.
E tudo na vida tem metade de chance de dar certo.
E a outra metade De dar errado.
Mas não é poupando que você saberá.
Quem é mão de vaca com os próprios sentimentos acaba por não viver.
Não seja econômico.
Mas use menos água para lavar a louça.

A difícil arte de seguir em frente
(Em outras palavras: na hora do aperto a gente apela para a autoajuda, birita, ombro dos amigos, livros bestas e músicas cafonas.)
Por algum motivo as coisas não deram certo.
Sua vida seguiu por um caminho e a dele dobrou duas quadras mais para a frente.
Você fica se perguntando o que aconteceu, o que deu errado, por que vai ter que enfiar todos os planos dentro da nécessaire, fechar e ficar um tempão sem abrir novamente.
A gente passa por diversas fases.
Sentimos raiva, sentimos dor, sentimos revolta, sentimos desprezo, sentimos saudade, sentimos amor, sentimos medo de nunca mais esquecer, sentimos medo de gostar de novo, sentimos vergonha e receio em repetir os mesmos erros bobos.
Demorei muito para acreditar na mais louca e cruel verdade: quem gosta de você vai te tratar bem.
Quem gosta de você se importa, quer o melhor, te procura, te liga, te dá satisfação.
Quem gosta quer estar junto.
Quem gosta demonstra.
Quem gosta faz planos.
Quem gosta apresenta para a família e amigos.
Quem gosta manda uma mensagem bobinha só pra dizer que ama.
Quem gosta carrega uma foto sua dentro da carteira pra ver quando dá saudade.
Quem gosta abraça na hora de dormir.
Quem gosta dá um beijo de boa noite e de bom dia.
Quem gosta aguenta suas reclamações, sua cólica infernal, suas manhas e manias.
Me desculpa, mas não existe medo que seja maior que um sentimento.
Não existe timidez que seja mais forte que uma declaração de amor.
Não existe distância que deixe uma relação morrer se as duas pessoas querem ficar coladinhas.
Não existe estou dividido entre ela e você.
Quem gosta pode se perder, mas sempre vai saber pra onde quer voltar.
A gente demora pra aceitar, arruma novecentas desculpas para a falta de jeito do outro.
Ah, ele é confuso.
Ah, ele está tenso.
Ah, ele tem medo.
Ah, ele é maluco.
Ah, ele isso.
Ah, ele aquilo.
Desculpa, mas quem quer estar junto pensa ah, que saudade.
Ah, que falta ela me faz.
Quem gosta, gosta.
Sem complicações.
Sem armações e armaduras.
Infelizmente, antes de seguir em frente tentamos interpretar as ações e atitudes da pessoa indecisa.
Ele respondeu assim por tal motivo.
Ele falou isso querendo dizer tal coisa.
Ele isso, mas tenho certeza que ele aquilo.
Quem gosta dá certeza do que sente.
Quem gosta te olha com sinceridade.
Quem gosta não faz joguinho nem te deixa pela metade.
Quem gosta quer te deixar segura.
Por bem ou por mal, precisamos abandonar um sentimento que não traz nada de bom.
Simples assim.
Basta você se perguntar: é essa a vida que quero para mim Eu mereço ser feliz Eu mereço alguém que me ame Eu mereço alguém que se importe Eu mereço quem tenha certeza que me quer Eu mereço ser amada
O momento em que você percebe que o outro não te quer é mágico.
A gente acorda, se sente nova, se sente livre.
É claro que não se afoga um sentimento do dia para a noite.
Mas a gente tenta preencher aqueles espaços com coisas novas: músicas diferentes, bons livros, trabalho, amigos, decoração da casa, um animal de estimação.
Tudo serve para animar, renovar, encher a casa, a vida e preencher o tempo, costurar e remendar nossas feridas.
É claro que vai doer, é claro que você vai sentir, é claro que o sentimento ainda vai latejar por um tempo.
Mas a gente supera a partir do momento em que decide o que merece.