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Fabrício Carpinejar

Dar um Tempo
Não conheço algo mais irritante do que dar um tempo, para quem pede e para quem recebe.
O casal lembra um amontoado de papéis colados.
Papéis presos.
Tentar desdobrar uma carta molhada é difícil.
Ela rasga nos vincos.
Tentar sair de um passado sem arranhar é tão difícil quanto.
Vai rasgar de qualquer jeito, porque envolve expectativa e uma boa dose de suspense.
Os pratos vão quebrar, haverá choro, dor de cotovelo, ciúme, inveja, ódio.
É natural explodir.
Não é possível arrumar a gravata ou pintar o rosto quando se briga.
Não se fica bonito, o rosto incha com ou sem lágrimas.
Dar um tempo é se reprimir, supor que se sai e se entra em uma vida com indiferença, sem levar ou deixar algo.
Dar um tempo é uma invenção fácil para não sofrer.
Mas dar um tempo faz sofrer pois não se diz a verdade.
Dar um tempo é igual a praguejar "desapareça da minha frente".
É despejar, escorraçar, dispensar.
Não há delicadeza.
Aspira ao cinismo.
É um jeito educado de faltar com a educação.
Dar um tempo não deveria existir porque não se deu a eternidade antes.
Quando se dá um tempo é que não há mais tempo para dar, já se gastou o tempo com a possibilidade de um novo romance.
Só se dá o tempo para avisar que o tempo acabou.
E amor não é consulta, não é terapia, para se controlar o tempo.
Quem conta beijos e olha o relógio insistentemente não estava vivo para dar tempo.
Deveria dar distância, tempo não.
Tempo se consome, se acaba, não é mercadoria, não é corpo.
Tempo se esgota, como um pássaro lambe as asas e bebe o ar que sobrou de seu vôo.
Qualquer um odeia eufemismo, compaixão, piedade tola.
Odeia ser enganado com sinônimos e atenuantes.
Odeia ser abafado, sonegado, traído por um termo.
Que seja a mais dura palavra, nunca dar um tempo.
Dar um tempo é uma ilusão que não será promovida a esperança.
Dar um tempo é tirar o tempo.
Dar um tempo é fingido.
Melhor a clareza do que os modos.
Dar um tempo é covardia, para quem não tem coragem de se despedir.
Dar um tempo é um tchau que não teve a convicção de um adeus.
Dar um tempo não significa nada e é justamente o nada que dói.
Resumir a relação a um ato mecânico dói.
Todos dão um tempo e ninguém pretende ser igual a todos nessa hora.
Espera se algo que escape do lugar comum.
Uma frase honesta, autêntica, sublime, ainda que triste.
Não se pode dar um tempo, não existe mais coincidência de tempos entre os dois.
Dar um tempo é roubar o tempo que foi.
Convencionou se como forma de sair da relação limpo e de banho lavado, sem sinais de violência.
Ora, não há maior violência do que dar o tempo.
É mandar matar e acreditar que não se sujou as mãos.
É compatível em maldade com "quero continuar sendo teu amigo".
O que se adia não será cumprido depois.
(do livro "O amor esquece de começar")

A vingança encharca a literatura e a música, mas seus mistérios jamais serão esgotados.
Vingança é uma arte, o refinamento da carência.
Quem procura se vingar do ex ou da ex, na verdade, não cansou de brigar.
Não terminou de argumentar.
Vingança é discutir o relacionamento sozinho, é discutir o relacionamento à distância, é dedicar o dia inteiro, às vezes a vida inteira, a arquitetar uma forma de chamar a atenção do amante que negou o ouvido.
O luto é destinado aos que amam amar.
Vinga se a pessoa que odeia amar, odeia continuar amando.
É o encontro do mais extremo ódio com o mais extremo amor.
A união de dois terrorismos.
Vinga se aquele que acredita que deu mais do que recebeu e que se enxerga ludibriado.
Aquele que, durante a relação, cobrava em segredo tudo o que oferecia, listava presentes e gestos.
A vingança é o juízo final do avarento amoroso.
Indica também prepotência.
O vingador se enxerga superior ao vingado, mais experiente e sábio.
Acha que está ensinando seu antigo par.
Encarna a figura de professor repreendendo o erro do aluno.
Assim como não sofre em vão, somente se humilha para humilhar o outro.
Todo sofrimento é arrogante, debitado na conta do desafeto.
O vingador cobiça a última palavra pois não aceita que alguém pense o pior dele.
Planeja castigar as supostas distorções e intimidar as possíveis confissões de sua intimidade.
O vingador vive por hipóteses.
Não entendeu que a última palavra não existe, é uma desculpa para mandar.
A vingança é o mais paradoxal dos atos: um sentimento inteligente em mãos burras e desgovernadas; uma pressa que exige longa paciência e dissimulação.
Requer as mais contraditórias atitudes: sangue frio de alguém com sangue quente; calar se apesar da exagerada vontade de falar.
A vingança fracassa pela ânsia de fama do seu autor.
Quem busca se vingar pretende que o outro saiba que foi ele, que não tenha nenhuma dúvida.
Deseja dar o troco beijando a boca, olhando nos olhos.
Conclui que não adianta nada uma vingança sem remetente.
E peca pela ambição, erra ao se expor, porque a represália aguda e exitosa esconde o criminoso para a perfeição do crime; deve ser anônima, gerando a desconfiança, mas não entregando totalmente o seu mentor.
Não conheço vingança perfeita.
Não se vingar talvez seja a melhor vingança.
Fazer esperar uma resposta que nunca virá.