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Onecina Alves

Eu me tranquei no banheiro.
Respirei fundo.
Dei meia volta e olhei fixo no espelho.
Maldita seja, eu disse a mim mesma.
Maldita minha aparência, maldita minha cabeça com esses pensamentos auto destrutivos, malditas as pessoas que falam dos demais como se suas palavras fossem armas de brinquedo, que não ferem.
Malditas as garotas, lindas, magras, carismáticas e livres que se permitem ser tudo e fazer o mundo crer que elas são a melhor escolha.
Malditos os homens que não entendem que muitas dessas mulheres são um frasco vazio, enquanto por aí, existem tantas mulheres lindas por dentro, esperando florescer como os lírios, esperando ser descobertas, esperando ser observadas.
Maldito o momento em que decidi ancorar novamente minha vida, em vez de usá la como um meio para conseguir o que quero.
Maldita minha confiança que me faz pensar que nada vai querer me prejudicar e ao final, sempre tem alguém disposto a fazer isso.
Maldita a hora em que me apaixonei por homens de lixo que me deixaram quebrada em mil pedaços outra vez, como se não se importassem, como se eu não fosse humana.
Maldita hora que paramos de amar a nós mesmas, e não apenas o que vemos refletido no espelho, mas também quem somos quando estamos sozinhas.
Maldito o relógio que está correndo e eu aqui trancada, sabendo que tenho que voltar e não chorar, sabendo que não devo falar sobre minha vida, pois ninguém quer saber.
Apenas sorrir, isso devo fazer, sorrir com essa maldita máscara que escolhi.
Silêncio.
Tudo está aqui, em meus olhos, esses que olho todos e ninguém, absolutamente ninguém.
Ninguém vê nada.

Uma carta de adeus
Olá, Morpheus, o teu coraçãozinho parou hoje, e me despedi de você com lágrimas no rosto e coração partido.
E assim você também se foi E sou forçada a dizer a todos porque, talvez eu tenha te transformado em uma figura pública.
Estavas em muitos dos meus escritos e na maioria de minhas fotos.
Eu me sinto mutilada.
E não importa se as pessoas entendem, sabe Não me importo se me chamam de exagerada, de trágica.
"Todo esse drama por um gato".
Mas olha, vou te dizer, meu querido Morpheus, eu até entendo.
E digo mais, se eu estivesse no lugar deles, pensaria a mesma coisa: TODO ESSE DRAMA POR UM GATO.
Porque eles não se importam.
Não estavam aqui, digo, aqui perto.
Não estavam conosco.
Não estavam naquela tarde de Janeiro quando eu abri os portões da minha casa, quando acendi a luz e escutei o teu primeiro "Miau".
Quando desci do ônibus e nos olhamos pela primeira vez.
Ao invés de dizer "Quem diabos você é ", você me olhou estreitando os olhinhos verdes e começou a ronronar, assim, na confiança, mesmo sem me conhecer.
Eu disse "vamos lá, vou cuidar de você pra sempre" e aquele pra sempre, foram apenas três meses.
Três meses de um milhão de aventuras.
Todo esse drama por um gato.
Eles não estavam contigo, meu caro rapaz, quando eu te ensinei a fazer suas necessidades no lugar certo e tu, mas que um gato que caga e mija, parecia um empresa de terraplanagem.
Eras um traquina magro e longo, com orelhas, calda e patas proporcionais.
Não, querido Morpheu, eles não estavam aqui quando eu te ensinei a subir na porta de casa e na árvore.
E a descer, obviamente.
A principio você parecia um tetraplégico, que acabou de se curar, depois, em duas horas, subia e descia como um flash.
E eu como uma mamãe que tinha acabado de tirar as rodinhas da bicicleta do filho, me comovi e te abracei.
Eles não estavam quando várias e várias vezes eu estava fazendo trabalhos da faculdade e você constantemente ficava em frente ao PC.
Não estavam quando dormimos muitas noites juntinhos.
E nem ao menos quando eu estava falando com algum garoto e te perguntava: "O que você me diz Esse tá bom " e me olhavas com cara de abusado.
Não estavam quando você subiu na mesa e comeu meu pedaço de frango e eu fingi que não estava vendo nada.
Bem, você sabia que eu estava vendo.
Todo esse drama por um gato.
E era sempre só eu e você, quando eu chegava em casa cansada e você queria fazer "massagem" na minha barriga, eu girava e você fazia "massagem" nas minhas costas.
Não estavam quando as pessoas te faziam mimos na rua.
Tudo você fazia.
E eles não estavam aqui.
Estavam todos ocupados fazendo filhos, namorando, se casando, esse tipo de coisa, de adultos, enquanto eu estava contigo, contando sobre o dia ruim que tive no trabalho, na faculdade, sobre as brigas com minha mãe Não tinha ninguém quando eu começava a chorar e você chegava.
Você sempre chegava.
"Não chore mamãe", e acariciava com o nariz no meu queixo, enxugando o rosto molhado.
Não estavam aqui quando você consumiu uma das suas vidas sendo ainda bebê, por acidente.
Não, não estavam nem aí pra nada.
Era eu e você.
Nem quando você tomava banho e em seguida rolava na areia, se sujando de novo.
Todo esse drama por um gato.
Claro, ninguém estava aqui.
Ou quando você me mordia de verdade, sem parar.
Não, lindo Morpheus, eu não espero que me entendam.
Talvez pensem que estou exagerando Eu deixava que você fosse o único ser vivente a me ver triste, porque você sabia o que fazer.
E sempre fez.
Certas coisas eu disse só a você, certas lágrimas eu chorei só contigo.
Não, não estavam aqui, nem ao menos naquela noite quando eu acordei e fiquei observando teu corpinho por várias horas.
E ninguém estava aqui essa manhã quando comecei a chorar na sua frente.
Não estavam quando tive que me despedir do meu menino espetacular e único.
Meu melhor amigo, um pedaço de mim.
Ninguém nunca entenderá e não me importa.
Ninguém estava aqui e nem agora que escrevo isso chorando, incapaz de parar por um minuto.
Vai em paz meu bebê, você me deu tudo, agora pode repousar, espero ter te dado um boa vida, te juro que fiz o possível.
Eu te amei como um filho, talvez aquele que eu nunca terei.
Todo esse drama por um gato.
Ninguém entenderá jamais, ninguém estava aqui.
Não estão aqui nem mesmo agora, nessa casa, que de repente tornou se vazia.
Onecina Alves