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Fabrício Carpinejar

ATÉ O FIM
Nunca toque numa mulher por tédio.
Nunca toque uma mulher por tocar.
Nunca toque uma mulher para completar uma palavra ou ocupar um silêncio.
Nunca toque para apoiar os medos, cobrir mágoas, equilibrar a nudez.
Nunca toque uma mulher por vingança, por carência, por controle.
Não toque se não pode andar na imaginação, se não tem vontade de segurar sua mão enquanto arde, de emparedar a respiração com os olhos.
Não toque se não está disposto a sofrer, se não está disposto a curar o sofrimento.
Nunca toque uma mulher por imprecisa hospedagem, para breve visita das pálpebras.
Toque se quiser morar, se quiser naufragar pelas janelas, se quiser morrer de ansiedade.
Não toque se não deseja, se não assumiu a ponta dos lábios nos dedos.
Não acorde o corpo de uma mulher se não irá acalmá lo depois.
Não importune a mulher se não sonha em laminar o rosto em sua pele.
Não convoque os seios para despistá los.
Não prenda a cintura se não mergulhará no cheiro.
O toque é uma promessa.
Não se esvazie na repetição.
Não toque se resta dúvida, não toque se vem desistindo da relação.
Não toque uma mulher por luxo, para experimentar uma fantasia, para justificar uma ideia.
Não toque uma mulher porque não tem nada a fazer, se pensava em outro lugar.
Não toque uma mulher por vaidade, para testá la.
Não toque para apenas para se deleitar com o prazer do suspiro, pela glória de vê la excitada.
Não toque uma mulher à toa, por brincadeira, por maldade.
Não desonre a suavidade com a falta de firmeza.
Não toque se não precisa, se não tem urgência.
Até a preguiça tem urgência.
Não toque se não ficará mais tempo, se não pode conversar, se não há como gemer.
Não se sinta melhor do que o tato.
Não se aproxime se não busca deitar.
Não deite se não busca acordar.
Não mexa se não tem como enlouquecer.
Não finja que não chamou, não minta que não ouviu.
Não simule pergunta para fugir da resposta.
Não menospreze a frustração.
Não cumprimente se não abraçar, não abrace se não roçar.
Não toque numa mulher por obrigação, para mostrar virilidade.
Não a incomode com os beijos se não pretender soprar os ouvidos.
Não desperte as contradições, os tremores, se não pretende seguir adiante.
Nunca provoque uma mulher se não vai comê la.

A vingança encharca a literatura e a música, mas seus mistérios jamais serão esgotados.
Vingança é uma arte, o refinamento da carência.
Quem procura se vingar do ex ou da ex, na verdade, não cansou de brigar.
Não terminou de argumentar.
Vingança é discutir o relacionamento sozinho, é discutir o relacionamento à distância, é dedicar o dia inteiro, às vezes a vida inteira, a arquitetar uma forma de chamar a atenção do amante que negou o ouvido.
O luto é destinado aos que amam amar.
Vinga se a pessoa que odeia amar, odeia continuar amando.
É o encontro do mais extremo ódio com o mais extremo amor.
A união de dois terrorismos.
Vinga se aquele que acredita que deu mais do que recebeu e que se enxerga ludibriado.
Aquele que, durante a relação, cobrava em segredo tudo o que oferecia, listava presentes e gestos.
A vingança é o juízo final do avarento amoroso.
Indica também prepotência.
O vingador se enxerga superior ao vingado, mais experiente e sábio.
Acha que está ensinando seu antigo par.
Encarna a figura de professor repreendendo o erro do aluno.
Assim como não sofre em vão, somente se humilha para humilhar o outro.
Todo sofrimento é arrogante, debitado na conta do desafeto.
O vingador cobiça a última palavra pois não aceita que alguém pense o pior dele.
Planeja castigar as supostas distorções e intimidar as possíveis confissões de sua intimidade.
O vingador vive por hipóteses.
Não entendeu que a última palavra não existe, é uma desculpa para mandar.
A vingança é o mais paradoxal dos atos: um sentimento inteligente em mãos burras e desgovernadas; uma pressa que exige longa paciência e dissimulação.
Requer as mais contraditórias atitudes: sangue frio de alguém com sangue quente; calar se apesar da exagerada vontade de falar.
A vingança fracassa pela ânsia de fama do seu autor.
Quem busca se vingar pretende que o outro saiba que foi ele, que não tenha nenhuma dúvida.
Deseja dar o troco beijando a boca, olhando nos olhos.
Conclui que não adianta nada uma vingança sem remetente.
E peca pela ambição, erra ao se expor, porque a represália aguda e exitosa esconde o criminoso para a perfeição do crime; deve ser anônima, gerando a desconfiança, mas não entregando totalmente o seu mentor.
Não conheço vingança perfeita.
Não se vingar talvez seja a melhor vingança.
Fazer esperar uma resposta que nunca virá.