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Matheus N. (Nassi)

Eu achei que podia fugir de quem eu era, eu achei que quem eu era tão ruim que eu deveria fugir, mas não, não era ruim, era eu, e se eu era ruim era porque eu ainda não tinha aprendido a conviver comigo mesmo.
Decidi partir de mim, decidi me dar um tempo, um tempo necessário, um tempo comigo mesmo embaixo de uma árvore, daquelas enormes onde a gente senta pra refletir sobre a vida.
Foi lá, no meu isolamento interno do mundo, que eu aprendi uma das melhores e mais importantes lições da vida: deixar ir.
Não é fácil deixar ir, só os fortes conseguem, não é algo que você acorda e diz “hoje eu vou deixar ir” e só segue o baile.
Ás vezes deixar ir algo com que conviveu por muito tempo dói, machuca, é quase impossível, te deixa fraco, te quebra as pernas, quase te mata.
Foi aí que eu senti a chuva, a chuva mais forte e densa que já havia visto em toda a minha existência, era uma chuva fria, com nuvens escuras, ela molhava tudo, encharcava, e foi ali também que eu quase me afoguei, a chuva era alimentada por mágoas, mágoas que eu guardei por muito tempo no profundo do meu ser e agora me afogavam de mim.
Eu mergulhei naquele mar de mágoas e achei que nunca mais veria a superfície, aí eu encontrei, no meio de tantas memórias ruins, um raio de luz, a minha salvação, eu me encontrei com o pedaço de mim que andava angustiado, e com um abraço dos mais fortes que já dei em alguém, ele me perdoou e me mostrou que havia uma saída.
Logo após a chuva de mágoas em me encarei com um imenso e seco deserto, nunca estive em um lugar tão feio, tão vazio, era silencioso de doer os ouvidos.
Ali estava eu, em meio a todos os perdões que eu não tinha dado, eu me encontrei com meu orgulho.
Ele era feio, velho, forte, cheio de prepotência e não queria me deixar chegar até o outro lado desse deserto que eu mesmo tinha criado dentro de mim.
Ele me disse algo que nunca esquecerei “foi por deixar teu ego falar, que cada gota de vida aqui morreu e esse imenso deserto se criou”.
É duro ter que entender que seu orgulho fez com que o bom em você morresse, é duro ouvir que a vida acabou por não ter dado ouvido a sua humildade pelo menos uma vez na vida, foi duro me encontrar naquele lugar, parecia que iria morrer ali, eu já não sentia mais as minhas pernas, eu nem sabia se o que via era verdade ou alucinação, eu gritava no silêncio do meu ser, ninguém parecia ouvir, nem eu mesmo me ouvia, foi quando um gavião me pegou, ou ao menos o que restou de mim, pelo bico e me levou junto com meu pedaço que estava no deserto, pra um lugar com grama verde, cachoeiras e um urso que esperava impaciente, que um peixe pulasse na sua boca.
Aquele momento eu soube que me encontrava com a minha paciência, e a forma com que eu entregava minha sorte ao acaso e não corria atrás de nada, eu deitava e esperava os peixes pularem na minha boca, eu não corria atrás, eu tinha medo e preguiça de me atirar à correnteza para pegar os peixes.
Deitar e esperar havia se tornado cômodo, viável e habitual.
Nesse momento pós descoberta eu decidi pegar o bote que estava à margem do rio e seguir a maré, ir atrás de algo pelo menos uma vez, e dessa vez eu estava indo atrás de quem perdi, que no momento era o meu eu.
Antes de partir ganhei do urso, um dos meus pedaços, um dos que ainda faltavam, e segui, junto com meus pedaços, partes de quem eu era, mas que no momento não estava sendo.
Segui pelo rio até que me deparei com uma cachoeira, e em meio ao desespero de ver a morte diante dos meus olhos, os fechei e aceitei o meu destino.
Que brisa é essa no meu rosto Não pareço cair, pareço estar flutuando O que me aconteceu Abro meus olhos e me encontro em meio às nuvens, lá de cima eu vejo cada parte de mim, da raiva ao medo, da serenidade ao amor, em me vejo por completo, mas não entendo o motivo de não ter tido que enfrentar essas tantas outras partes de mim.
Eis que um pássaro me sussurra ao ouvido: “tu não precisas se encarar mais, já aprendestes demais o que é preciso ser feito, voe, voe como eu até quem és.
Ame se, ame tudo que és e tudo que não está sendo, perfeição não deves te agradar, ao invés disso, deves procurar se adaptar aos teus erros e a preservar tuas qualidades, voe pra longe de tudo que te distancia de si, porque já passaste muito tempo longe.
Voe, voe ao seu próprio encontro”.
Nesse momento eu acordo com o travesseiro molhado, suado, sem ar, e com o peito queimando.
Nesse momento eu havia me achado, eu pude duelar com quem me impedia de me tornar quem eu já nasci sendo, eu mesmo.
Depois desse dia, eu aprendi que por mais escuro, longe e profundo, nós estejamos de nós mesmo, precisamos nos buscar.
Buscar quem somos.