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Renée Venâncio

Estou sujo de medo.
Há nas ruas uma grande confusão disfarçada de calma.
Pessoas caminham apressadas para fugirem tranquilamente dos seus desafios de se tornarem melhores e mudar o mundo.
Somos simpatizantes dessa obscura guerra de interesses que se desenrola por debaixo dos panos.
Celebramos o desespero e a fome em filas monumentais, e o fato de estarmos posicionados ordeiramente uns atrás dos outros, reafirma a nossa cômoda disposição de colaborar com essa baderna jeitosa que nos confunde, mas nos ajuda a disfarçar o nosso complexo de culpa por tudo que está errado.
Enganar se parece ser o melhor remédio.
Essa normalidade mentirosa suaviza a bagunça geral que se espalha por todos os cantos.
Existe um céu de chumbo a encobrir os nossos equívocos.
Existe um eclipse de racionalidade ocultando as verdades que mais nos incomodam.
Existem abismos debaixo dos nossos tapetes, prontos para engolir a nossa covardia.
Existe poeira para todos os olhos, pois, na verdade, ninguém faz questão de enxergar os desastres que enfeiam as nossas vidas.
Nem tudo é tão azul quanto se pinta, mas a gente faz questão de continuar fazendo festa e ascendendo fogos de artifício para embelezar as nossas noites de horror.
Vejo pássaros revoando sem rumo e carros manobrando na contra mão.
Ouço homens e mulheres gritando em silêncio, cães latindo embaixo da cama e crianças aprendendo, sob as bênçãos da lei, a se tornarem adultos perversos.
Isso tudo acontece diante das nossas fuças, mas todos fazem absoluta questão de ignorar os fatos e deixar tudo como está, como se esse lixo todo fosse uma grande novidade.
Tudo é mantido no seu devido lugar para que as falsas impressões prevaleçam sobre o que é real.
Enquanto isso, o caos repousa tranquilamente sobre a ordem vigente neste triste teatro social em que vivemos.
Nem tudo está em paz, como se pensa.
Percebo uma certa inquietude no ar.
Percebo um grande tumulto contido pela força das aparências, mas nada é exatamente o que parece.
Estamos todos ensurdecidos pelo estrondo cataclísmico da nossa imensa incapacidade de reação.
Há uma loucura escondida por detrás dessa cortina de sobriedade e hipocrisia que nos engana.
Cada indivíduo fala a sua própria língua nesta Babel enlouquecida, mas todos se entendem perfeitamente através de códigos indecifráveis, sorrisos amarelos e tapinhas nas costas.
Ninguém se sente seguro, apesar dos altos muros e das cercas elétricas que nos protegem das consequências dos nossos próprios atos.
Os riscos nunca foram tão evidentes e tão mal calculados.
Muitos conflitos estão confinados pelas paredes frágeis da diplomacia, da política suja e da falta de vergonha na cara.
É muita pressão e nenhuma válvula de escape.
Tudo pode explodir a qualquer momento, mas estamos aqui, firmes e fortes nesta intenção de viver plenamente a liberdade de não querer saber de absolutamente nada que nos faça enxergar a nossa pobre e infeliz realidade.

A confiança é um dos sentimentos mais nobres que um ser humano pode colher e cultivar dentro de si.
Confiança é a base das grandes amizades, dos amores verdadeiros e das relações que não se baseiam na mentira.
Confiança é a raiz do entendimento, até mesmo entre seres opostos.
É o elo mais forte dessa corrente que une pessoas que se completam de alguma forma.
Confiar é entregar ao outro, sem medo, tudo que há de mais valioso dentro do nosso coração.
Podemos dizer que a confiança é como uma taça feita do cristal mais translúcido e delicado que possa existir.
Se essa taça cai e se quebra, não há mais nada no mundo que possa devolver lhe as mesmas formas de antes.
Confiança, quando vai embora, nunca mais volta.
Confiança é pedra preciosa que não se atira ao mar.
E por mais que haja em nós a bondade e a nobreza do perdão, depois de provar a frustração de ter acreditado em vão em alguém, sempre ficaremos com uma pulga atrás da orelha a nos roubar a tranqüilidade do sono.
A desconfiança é uma ave agourenta que paira dia e noite sobre as cabeças dos enganados.
Desconfiar cansa e faz definhar os nossos melhores sentimentos.
Para se gostar de alguém sem restrições e manter um convívio são, é necessário que haja credulidade entre as pessoas.
Credibilidade não é uma invenção de última hora, é uma conquista paulatina.
Se não houver confiança numa relação, não haverá mais nada pelo qual valha a pena lutar.
Sem confiança não há liberdade de gestos.
Sem confiança não há entrega.
Sem confiança, todas as portas da nossa alma se trancam, e a luz que deveria iluminar a nossa aura, se dilui numa espécie de escuridão que assombra a vida da gente.
Confiança não se compra, não se vende e não se finge.
Confiança é a força que nos move na direção de quem a gente mais ama.
E, por mais que sejamos imperfeitos, confiar e ser confiável é muito mais do que um simples tratado social, é uma questão de caráter e de respeito ao próximo.
Confiar é a arte de poder amar sem medo, dormir tranqüilo e sentir o doce perfume da paz em cada movimento da nossa respiração.
Confiar dispensa meios termos: ou é para sempre, ou é para nunca mais.