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Alessandro Lo Bianco

Minha avó uma vez pediu me para comprar uma tesoura, um escorredor de macarrão e um vidro de azeite no mercado, em Niterói, quando eu tinha 12 anos.
A rua era Cel.
Gomes Machado.
Quando eu saí de casa, lembro que também ficaram aguardando duas tias, que ajudavam ela naquele sábado, na cozinha.
Esse pedido caía do céu para mim que estava de castigo.
A casa ficava na Rua Coronel Senador Vergueiro da Cruz, ao lado do escadão que sobe para o morro do Cavalão.
A razão do castigo já não lembro.
Lembro me, sim, que só poderia sair para comprar as coisas e voltar.
Fiquei feliz com a tarefa libertadora.
E mais feliz fiquei quando, ao dobrar a esquina da Rua São Pedro com Visconde de Itaboraí, verifiquei que se tirava “par ou ímpar” para jogar uma “pelada”, no trecho compreendido entre a Rua de São Pedro e a Cel.
Gomes Machado, justo no caminho do mercado.
Entrei no páreo e fui escolhido para jogar em um dos times.
A galera era sempre a mesma; os amigos da rua que moravam por ali.
Só quando a partida acabou lembrei me da encomenda e fui correndo para o mercado.
Lá chegando peguei as coisas e, ao procurar o dinheiro que vovó tinha deixado comigo não o encontrei no bolso.
O dono do mercado, Milton Duarte de Castro, percebendo o meu embaraço, perguntou onde eu morava e de qual família eu pertencia.
Por minha sorte, dispensou me do pagamento, não sem antes puxar a minha orelha, com bom humor, para que eu tivesse noção da responsabilidade que um menino deveria ter na execução de um mandado.
E que o bom negociante além de ser amigo da família, percebera, também, que suado como estava e com os pés imundos, só podia ser em razão dos folguedos da própria idade.
O dinheiro, certamente, caíra na rua.
Agora, a história avança vinte anos
O mercado já não existe mais.
Há agora, na Rua José Clemente, uma loja de instrumentos musicais.
Lembrei desses momentos quando era garoto e resolvi entrar naquele lugar fazendo uma pauta para O GLOBO NITERÓI que foi capa daquela edição de sábado, e que falava sobre a diversidade musical da cidade.
Ao olhar para o balcão, fiquei surpreso: Já mais velho, “seu Duarte”, o responsável pela loja, era o mesmo bom homem que, há vinte anos atrás, me desembaraçara de uma dívida de poucos cruzeiros na época.
Pedi licença e resolvi me apresentar novamente, depois dos vinte anos, para contar lhe esta história da qual, como não poderia deixar de ser, ele já não se lembrava.
Foi um encontro agradável e, da minha parte, muito comovente.
Eis a razão desse texto relacionar se à amizade.
“Seu Duarte” só lembrou de mim depois que falei o nome do meu avô.
Ao perguntar se eram amigos, ele ficou com os olhos cheios d´água e respondeu: “fomos grandes amigos”.
Não entrei na questão, apenas retribuí o sorriso e lembrei que, há vinte anos, ele não me cobrou o dinheiro quando falei o nome do meu avô.
Disso tudo ficou uma lição: o importante numa amizade não é reconhecer somente o amigo, mas também o que é parte dele.

Sentado aqui na minha varanda, sozinho, olhando as luzes de tantas janelas em tantos prédios, e já na segunda taça de vinho, penso que a felicidade é uma palavra de difícil qualificação Comparada com uma cor, certamente teria várias nuanças.
Pode significar o estado de um ser ditoso, contente, alegre, de sorte, enfim, um indivíduo satisfeito com a vida por vários motivos.
E, nesta variedade de motivos, cabem várias reflexões.
Sem dúvida, a felicidade é um estado de espírito e, por isso, muito pessoal e variável.
De modo que a razão da felicidade de um, pode ser por outro ângulo, ainda que contrariamente, a razão da felicidade de outro.
Exemplo: o portador da boa saúde, forte, belo, econômica e financeiramente bem, é feliz por estas circunstâncias; outro, doente, feio, fraco e pobre, por motivos de crença kardecista, pode se sentir satisfeito e feliz, por admitir pelo que crê, que ao reencarnar ele mesmo escolheu uma vida de sacrifícios, para purgar erros e faltas cometidas em vidas anteriores e, com isso, atingir a perfeição espiritual, para ele mais valiosa que tudo.
É feliz por isso.
Um outro católico praticamente por viver bem e agraciado por pedir e receber dádivas celestiais que lhe são proporcionadas por seu deus e seus santos de devoção, vive deitado no armarinho da gratidão e felicidade; outro, da mesma crença, levando vida de cão, sofrendo agruras; julga se, também, conformado e feliz por considerar que tudo que sofre é um desígnio da divina providência e como tal deve entender como justo e aceita conformado e até agradecido.
É feliz também a seu modo.
Em outras palavras, o que é ótimo para uns pode ser ainda que em sentido completamente oposto, também aceitável para outro.
Uma espécie de felicidade pelo avesso.
O interessante é que este estado de espírito pode ser sentido, em certas circunstâncias, por uma coletividade inteira, ora sob o aspecto positivo, ora sob o aspecto negativo.
Assim, a chuva diluvial que atingiu inúmeras vezes o Rio de Janeiro e, principalmente a Região Serrana, destruindo barracos nos morros e atingindo, também bairros elegantes da zona sul do rio; essa chuva que levou um prefeito a apelar para oração para que não mais chovesse, pois não tinha meios para socorrer os desabrigados, é, sob outro aspecto, a mesma chuva salvadora de vidas em todo o Rio, que poderá salvar os reservatórios, mais uma vez que, sob um terceiro aspecto, vivemos há décadas dos eternos políticos que assentam as nádegas nas cadeiras do congresso.
O furacão que arrasta cidades, derruba torres, afunda barcos e mata muita gente nos EUA, considerado dos mais adiantados locais de progresso do mundo é o mesmo vento forte que no Saara, com o nome de Simum, refresca a atmosfera tórrida do Norte da África, estendendo sopro quente através do Mediterrâneo, temperando o clima de todo sul da Europa, considerado o ideal para o turismo da região.
Como se vê, a felicidade não é facilmente definível.
Tudo depende das circunstâncias.
Enfim, as luzes acesas de cada janela desses prédios, tão distantes, continuam iluminando o que estou vendo agora.
Tim Tim.