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Mário Silveira

Depois de um certo tempo
Depois de um certo tempo não se diz mais, "meu amigo! ", porque tudo quanto era novo tornou se tão comum que chega a ser trivial qualquer que seja o gesto.
Depois de um certo tempo as alegrias não se dispõem mais tão fáceis, porque tudo quanto era riso já foi tão rido que agora a graça das coisas já se tem perdido por aí, ensossa, no meio do que é real.
Depois de um certo tempo, é verdade, tudo murcha exacerbadamente.
Como que os sentimentos tivessem células e que elas envelhecessem junto com nossa pele.
É como se caducassem os sentimentos.
E então tudo se dissipa, no que era verbo se vê silêncio, no que se admirava se negligencia, no que era afeto se vê pedra.
Pedra, daquelas que não se junta por inutilidade, nem se senta, nem se chuta, nem se vê.
Pedra.
Como aquelas à beira da estrada, que só são colhidas por quem as quer atirar, tão somente pelo peso que elas têm.
Venhamos a convir, depois de um certo tempo, quando se conhece, quando é possível enxergar além da ponta do iceberg, quando o outro se desfia em sua própria verdade, quanto se torna transparente as limitações, fragilidades, as mazelas interiores, quando o que há é um outro eu todo perfurado, é então que se sabe o que é um amigo ou que se percebe se ele existe ou não.
Depois de um certo tempo, tudo o que há são queixas aos buracos do outro, mas, já não se os propõe tapar.
Depois de um certo tempo, o não eu [o amigo ], aquele a quem às expectativas se frustraram, torna se plutão.
É, assim, depois de um certo tempo, que se sai da superfície a qual todos parecem viver.
É reconhecendo o que há além da ponta do iceberg, e somente sob esta vista, que se pode julgar "amigo", porque esta não é palavra santa, nem pesa lhe o sagrado, mas não se deveria pronunciar antes de um mergulho, um profundo mergulho.
Porque é só depois de um certo tempo que percebemos que somos Narciso, que o que buscamos para as vezes é a nós mesmos, projetados no outro, dispostos, e quando damos conta que o outro é outro, saímos a procura de novos eus, expostos nas vitrines da vida.
E contemplamos o raso espaço do pote, o nada de nós mesmos.
É bem aí então que se desce um grande embrulho, um problema humano, uma incógnita existencial, é depois de um certo tempo, quando perdemos pelo fluir do mundo ou o pesar da morte, um grande amigo, que nos damos conta que gastamos tanto tempo condenando que não vivemos nada quanto fosse considerado verdadeiramente real.
Depois de um bom tempo é que percebemos que podemos até ter um milhão de amigos, mas se não houver mergulho, se não houver profundidade, tudo quanto conhecemos é a superfície, que reflete, por ser água, um pouco da nossa própria imagem, mas não dispõe, ao mínimo que seja, de todo o grande mundo que é a Felicidade, ou ainda, a Verdade.
Depois de um certo tempo, até deus, de si pra si, morreria de solidão.
Onde estão os amigos

SE EU MORRER AMANHÃ.
Se eu morrer amanhã, por favor, não leve me flores.
Você teve uma vida inteira para isso.
Também não chore de saudade, não se não tiver me buscado verdadeiramente enquanto podia.
Se eu morrer amanhã, peço: não se arrependa de não ter me dito tudo que queria enquanto meus ouvidos eram algo que não pó.
Se eu morrer amanhã suplico , não toque minhas mãos frias, não se nunca as tiver sentido quentes.
Se eu morrer amanhã não pense em como seria se eu estivesse vivo, pois eu já estive.
E passou.
Se eu morrer amanhã, por favor, não diga que me ama, nem que "fui" importante.
Eu já não ouvirei isso.
Chore, apenas se eu lhe tiver sido bom, mas não chore se não tiver sido comigo.
Leia algo meu se bater saudade, mas não leia se nunca tiver lido.
Veja fotos minhas se isso fizer bem à lembrança, mas não se arrependa de nunca ter pousado junto a mim.
Se eu morrer amanhã, não enlute, não se não tiver lutado comigo.
Se eu morrer amanhã, não se surpreenda, morte é consequência de estar vivo.
Se, por acaso, eu morrer amanhã, não olhe profundo para mim dormido eternamente , mas lembre se do meu derradeiro olhar, do meu sorriso e das coisas (boas ou ruins) que eu fiz, para, por e com você.
Se eu morrer amanhã, lhe peço, não me queira ver, não me queira escrever, não me queira despedir mas só aceite, só respeite a ideia de que serei silêncio profundo, lembranças doídas e pó eterno e entenda que o que fora feito, dito ou vivido estará trancafiado num tempo chamado passado que debruça se pouco a pouco no esquecimento e que já não flui, não volta, não muda, não vive, não vê.